A Batalha de Covadonga e o heroísmo Asturiano

Antes da vitória de Carlos Martel em Poitiers no ano 732 d.C, outra vitória católica definiria os rumos dos reinos católicos ibéricos.

A Batalha de Covadonga e o heroísmo Asturiano
Proclamação de Pelágio (Don Pelayo) como rei das Astúrias na Batalha de Covadonga

Antes da vitória de Carlos Martel na Batalha de Poitiers como relatado no artigo anterior, uma outra batalha na Península Ibérica garantiu que as populações católicas do extinto reino Visigodo se refugiassem nas Astúrias, permitindo não só a sobrevivência dos mesmos mas também a existência de um Estado Católico que seria símbolo de um baluarte cristão frente a expansão do Islã e do estabelecimento de Al-Andalus. Essa foi a Batalha de Covadonga, travada por Pelágio (Pelagius).

Pelágio e os remanescentes do Reino Visigodo

Representação do Rei Pelágio das Astúrias, pintura de Luis de Mandrazo

Como explicado no artigo anterior, as conquistas de Tariq e Musa levaram à destruição quase completa do Reino Visigodo, contudo é claro, alguns nobres sobreviveram ao avanço mouro, grande parte destes se submeteu de imediato à ocupação muçulmana, outros resistiram por um curto período de tempo mas acabaram por se submeter devido a falta de capacidade bélica, já que as forças profissionais haviam sido mortas ou capturadas em Guadalete, junto com o então rei Roderik. Ao norte da Península, uma região montanhosa, chamada de Cordilheira Cantábrica, foi por muitos anos uma região de resistência à ocupação de Reinos e Impérios, anteriormente, com os visigodos, não havia sido totalmente conquistada e ocupada, sendo um foco de resistência pujante, o mesmo aconteceu com o Império Romano durante a sua ocupação da Hispânia.

Mapa da região Cantábrica no norte da atual Espanha.
Foto atual das cordilheiras Cantábricas.

Aqueles familiarizados com doutrina e logística militar sabem que regiões como essa são praticamente impossíveis de se subjugar totalmente, são extensos os exemplos históricos de fracassos em ocupar cordilheiras ou regiões montanhosas, além é claro da dificuldade de deslocar as unidades e os suprimentos necessários aos exércitos na região. Na época não possuíam quase nenhuma infraestrutura e pouquíssimas estradas, sabendo dessas vantagens e desse longo histórico de resistência, as populações católicas da península se deslocaram para lá, assim como alguns guerreiros remanescentes das forças visigodas que estavam dispersos por toda extensão da península e que ainda desejavam resistir a ocupação moura, ainda assim, não eram suficientes frente as hordas muçulmanas, pouquíssimos homens profissionalmente guerreiros ainda restavam vivos. Alguns nobres, principalmente os engajados na liderança militar, foram capturados e futuramente executados, dentre os capturados estava Pelágio, que planejou escapar da cativeiro e fugiu para as Astúrias, segundo muitas fontes, ele era parente de Roderik e inclusive, seria o herdeiro do trono Visigodo segundo algumas fontes primárias.




O Reino das Astúrias

Bandeira oficial das Astúrias. Hoje o Principado das Astúrias ainda é considerado uma região autónoma e nação histórica


Brasão de armas Asturiano. O brasão é composto pela Cruz da Vitória ao centro

À esquerda da cruz, a letra Alfa em maiúsculo, à direita a letra Ômega em minúsculo

A frase escrita em latim é : "Hoc Signo Tvetvr Pvis, Hoc Signo Vincitvr Inimicvs."

A tradução é : " Com este sinal o piedoso é protegido, com este sinal o inimigo é derrotado."


Musa ibn Nusair, como relatado anteriormente, junto com Tariq, que era seu subordinado, foram os principais conquistadores da Península Ibérica, Musa ocupou as Astúrias por hora, mas a essa altura a região já tinha abrigado uma quantidade significativa de católicos e alguns nobres sobreviventes do Reino Visigodo, entre eles estava Pelágio, que frequentemente reunia grupos de guerreiros profissionais ou camponeses conscritos para atacar as forças mouras em deslocamento, principalmente em estradas e bosques, utilizando táticas de guerrilha bárbaras, advindas dos ceutas e tribos germânicas do passado que já haviam vencido legiões romanas há mais de 700 anos utilizando as mesmas estratégias e táticas como por exemplo na batalha de Teutoburgo. Vale ressaltar que os habitantes das Astúrias se consideravam outro povo, não pertencendo totalmente ao extinto reino Visigodo, isso se deve ao fato de que a região historicamente foi habitada por um povo de origem ceuta, os "Astures", e que com a cristianização do Império Romano e a ocupação da Hispânia se tornaram então cristãos católicos. Os eventos relacionados a Pelágio e a expansão dos mouros ocorreram entre os anos 711 d.C e 720 d.C, e nessa mesma época Tariq e Musa foram convocados de volta a Damasco, capital do Califado Umayyad ou Omíada, algumas fontes relatam que os dois planejavam governar Al-Andaluz(Península Ibérica) de maneira autónoma ao Califado Omíada, por isso posteriormente foram executados a mando do Califa vigente, mas esse é outro arco desta longa história.

Novos governadores e administradores chegaram a península, um imposto era cobrado sobre homens saudáveis com idade para serviço militar não praticantes do Islã, o chamado Jyzia, e com a nova administração, esse imposto em específico foi quase dobrado, causando instabilidade por toda a extensão do território de Al-Andaluz, principalmente na região das Astúrias. As escaramuças e as emboscadas feitas por Pelágio aumentaram significativamente, devido ao número de homens que se alistavam nas suas forças e que não aceitavam os aumentos na cobrança de impostos pelos mouros, a situação deteriorou tanto para os mouros, que o governador local das Astúrias, Munuza, foi forçado a recuar com suas forças para o sul das Astúrias, e a região se tornou de fato a partir daquele momento uma região autónoma à dominação muçulmana, e que se tornaria uma base para futuros assaltos realizados pelos cristãos católicos.

Uma variação da bandeira oficial do principado das Astúrias, com a Cruz da Vitória detalhada.

A Batalha de Covadonga

Representação da emboscada realizada por Pelágio em Covadonga.

Com os avanços mouros nos Pirineus e a tomada da Septmania, o contexto para suprimir a rebelião nas Astúrias estava favorável, somado a derrota dos mouros em Toulose que parou os avanços muçulmanos no Reino Franco, a única alternativa para aquele momento era avançar sobre Pelágio, então no ano 722 d.C, Munuza e Al Quama reúnem forças e avançam sobre as Astúrias, Pelágio sabia dos avanços por informações cedidas por batedores, os muçulmanos superavam as forças asturianas amplamente, é fato que Pelágio tinha somente algumas centenas de homens sobre seu comando, especula-se pelas fontes primárias e modernas que os asturianos tinham por volta de 300 homens, já os mouros por volta de 1.400 homens, não descartando a possibilidade desse número ser maior. Estava claro que ele não poderia enfrentar essa força em campo aberto, precisaria recuar para alguma região estreita e de difícil acesso, ele escolhe um estreito montanhoso próximo a vila de Covadonga, Al Quama e Munuza perseguem Pelágio, e enviam alguns mensageiros exigindo sua rendição, ele nega, então os mouros organizam suas unidades mais profissionais e avançam pelo estreito, assim como Pelágio imaginava. Dos flancos montanhosos, acima das cabeças dos mouros, as forças asturianas surgiram atirando pedras, flechas e javelins, enquanto Pelágio tinha agrupado suas infantarias em cavernas e nas árvores, subitamente realizou um ataque direto também nos flancos mouros. A essa altura Al Quama tentou bater em retirada, reorganizando suas tropas já desorganizadas, mas era impossível realizar uma manobra de retirada num estreito como aquele, com isso grande parte das tropas mouras incluindo o próprio Al Quama foram mortas naquela batalha, os que permaneceram na retaguarda bateram em retirada mas os camponeses que viviam nos vilarejos próximos armaram-se e atacaram as tropas mouras, não sobrando quase nenhum, apenas Munuza e alguns remanescentes. Essa vitória garantiu grande prestígio a Pelágio, todos os nobres que escaparam para as Astúrias decidiram apoiar as suas forças, cedendo homens, equipamentos e dinheiro, Munuza tentaria outra vez atacar os vales asturianos, mas agora, Pelágio tinha uma força bélica à altura dos mouros, e mais uma vez saiu vitorioso, matando também Munuza nessa batalha. Com todas as vitórias, os esforços mouros de retomar as Astúrias cessaram, a independência Asturiana foi garantida e Pelágio foi proclamado rei, a partir deste evento retomou regiões ao oeste da península e ao sul, tem início o processo da Reconquista, o conflito de maior duração da história do militarismo, que durou 800 anos.

Escultura de Pelágio em Covadonga, na Espanha
Mapa do reino Asturiano, por volta do meado do século VIII

A Vera Cruz

Relíquia da Cruz da Vitória, localizada na Câmara Santa de Oviedo

A Cruz da Vitória é uma "crux gemmata" ou cruz gemada, ornada com pedras preciosas, é tido que Pelágio carregou essa cruz durante a Batalha de Covadonga, na época feita de madeira e sem tantos ornamentos. É claro que as crônicas da época aumentaram os eventos da batalha, neste artigo mesmo não citei alguns ocorridos das crônicas de época, mas não há como negar que a intervenção divina foi clara nesta batalha, 300 homens católicos venceram uma força 5 vezes maior, e todas as crônicas afirmam isso. Vera Cruz ou Terra de Santa Cruz, é o nome dado ao Brasil pelos primeiros portugueses que aqui chegaram como dito no artigo anterior, vale ressaltar que Portugal se considera herdeira do espírito Asturiano, afinal, todos os povos ibéricos, e todos os reinos seguintes, como o Reino de Leão e Castella, devem sua existência ao evento descrito nesse artigo e aos 300 homens católicos que derrotaram as forças mouras naquele dia. Juntamente com Martel, Pelágio deve ser lembrado como o homem que tornou possível a sobrevivência do cristianismo, a coragem, a astúcia e inteligência visíveis em Pelágio e no povo Asturiano são características também do povo português, que se lançou ao mar em busca de novos horizontes, de novos trajetos e é claro, de novas terras, são os nossos colonizadores, aqueles que deram o arcabouço basilar do nosso povo e da nossa monarquia, então é claro, não há exagero algum em dizer, o povo brasileiro também compartilha o mesmo espírito Asturiano e deve se lembrar desse espírito não como somente presente num passado glorioso e distante mas vivo em cada brasileiro que atento as suas responsabilidades com o passado dessa terra, se orgulha em ser um católico e herdeiro de uma cultura lusitana riquíssima que é a deste país.



Convido a você que chegou até aqui, depois deste longo artigo, a rezar a Oração de São Miguel Arcanjo, general das forças celestiais:


“Glorioso príncipe do céu, protetor das almas, eu vos clamo e invoco para que me livres de toda adversidade e de todo o pecado, fazendo-me progredir no serviço de Deus, e conseguindo-me Dele a graça de perseverar até o final, para que possa gozar Sua presença eternamente.
São Miguel Arcanjo, protegei-nos no combate. Cubra-nos com vosso escudo e nos livre dos embustes e ciladas do Maligno.
Ó meu Deus, subjugue o Mal para sempre. E vós, São Miguel Arcanjo, príncipe da milícia celeste,  precipitai no inferno a Satanás e a todos os espíritos malignos que andam pelo mundo a perder almas. Amém”.



Fontes:  A History of Medieval Spain Por Joseph F. O'Callaghan
The Ruby Cross: And the Legendary Battle of Covadonga Por Giovanni Dalla Valle
https://en.wikipedia.org/wiki/Kingdom_of_Asturias
https://en.wikipedia.org/wiki/Battle_of_Covadonga
https://www.britannica.com/topic/Battle-of-Covadonga