Libertarianismo e Catolicismo: sua eterna e perene incompatibilidade

Libertarianismo e Catolicismo: sua eterna e perene incompatibilidade
O Tributo, do pintor Sir Peter Paul Rubens

*Toda a bibliografia utilizada estará disponível ao final do artigo

Há décadas enfrentamos uma crise sem precedentes na Igreja, esta crise vem afetando todos os campos da vida do povo católico, sejam eles de alinhamento político, espiritual, dos deveres de estado, da vida familiar/conjugal, da vida religiosa e afins; esse impacto é causado pela confusão e dubiedade gestadas pelo pseudo magistério pós conciliar, que é nublado, confuso e conflitante com o Sagrado Magistério perene e bimilenar da Santa Igreja, contudo, esta análise citada acerca da crise já parte da hermenêutica de ruptura frente o Concílio Vaticano II, e é claro, de uma visão tradicionalista.

Infelizmente grande parte dos católicos, compreensivelmente, não possuem uma resposta clara sobre a problemática conciliar, que é central e determinante em nossos tempos, arrisco dizer que deve ser a principal preocupação de um católico enquanto não houver clareza na sua posição, já que a conclusão acerca da atual crise factualmente determinará todos os passos tomados adiante na vida daqueles atentos às suas obrigações enquanto católicos, incluindo é claro, qual corrente política, filosófica ou econômica pode se tomar para si.

Posto isso, qual a relação desta problemática conciliar com o tema deste artigo? A relação é total, o libertarianismo é uma corrente de pensamento que abarca posições políticas, filosóficas, econômicas e morais diversas, quase todas as correntes libertárias (para não dizer todas) possuem pontos claros de incompatibilidade com o catolicismo, ao menos, com o magistério autêntico da Igreja, porém, diversos ensinos morais e definições anteriormente apresentadas pela Santa Igreja foram alteradas no curso do Concílio e em seguida do mesmo, as mudanças principais são as seguintes:

1 - A clara mudança de postura anunciada nos documentos do Vaticano II em relação a chamada liberdade religiosa, que pode ser extrapolada com facilidade para às demais liberdades de consciência e de expressão

2 - A clara inflexão ocorrida no Concílio e em seguida dele, que direcionou o humanismo e o antropocentrismo como aspectos introduzidos ao corpo de doutrina da Santa Igreja, facilmente identificáveis pelo termo "dignidade humana" nos documentos do mesmo, em especial com o documento de mesmo nome "Dignitatis Humanae". Com ainda mais certeza e prova, citando o próprio papa Paulo VI na sessão de encerramento do Vaticano II em dezembro de 1965, ele diz:

"Vós humanistas do nosso tempo, que negais as verdades transcendentes, daí ao Concílio ao menos este louvor e reconhecei este nosso humanismo novo: também nós, e nós mais do que ninguém, somos cultores do homem." - Paulo VI, 7 de dezembro de 1965, sessão de encerramento do Concílio Vaticano II.

3 - Após 1965, diversos ensinos morais pregressos ao Concílio, alguns destes já esclarecidos e definidos desde a era apostólica, foram colocados em cheque pelas autoridades conciliares, e com o passar do tempo, tiveram seu entendimento alterado. Dentre estes, o ensino sobre a legitimidade da pena de morte, que será um dos enfoques deste artigo.

Para qualquer indivíduo minimamente instruído, torna-se fácil a percepção de que diversas correntes de pensamento antes automaticamente condenadas pelo magistério, agora, em teoria e segundo este novo pseudo magistério conciliar, tornam-se lícitas devido essas mudanças, incluso aqui, todo a miríada de correntes libertárias. O objetivo deste artigo é demonstrar e provar portanto, duas afirmações de maneira concreta, são elas:

A incompatibilidade do libertarianismo frente ao magistério autêntico e a Doutrina de sempre.

A ruptura conciliar com determinações e ensinos de natureza infalível, cuja possibilidade em torno da alteração das mesmas jamais existiu.

O autêntico magistério frente ao Libertarianismo

Papa Leão XIII, do pintor austríaco Adolf Pirsch.

Existem muitas possíveis argumentações para se demonstrar a incompatibilidade do libertarianismo com a doutrina católica, algumas muito mais complexas do que outras, estas primeiras demandam um mergulho mais profundo em aspectos filosóficos e doutrinais que, naturalmente, demandam profundo conhecimento destes tópicos e se ramificariam em discussões diversas, por outro lado, outras são facilmente apresentadas, e de maneira categórica demonstram a incompatibilidade evidente para qualquer leitor, portanto, essa é a aproximação mais interessante e eficaz de se fazer.

Ela se dá pela própria exposição das encíclicas que fazem parte do Sagrado Magistério, e que factualmente, são compostas de ensinos infalíveis apresentados de maneira ordinária e extraordinária ao longo dos séculos; as definições daquilo que é perene e, do próprio conceito de infalibilidade destas definições, que após serem afirmadas como parte do magistério, seja de maneira ordinária ou extraordinária, não podem ser mais alteradas ou revogadas, serão explicadas mais à frente neste artigo, vamos então para a argumentação de fato.

Dentre as encíclicas pertinente ao assunto, não há outra melhor para iniciarmos a refutação do que a grandiosa Libertas Praestantissimum do papa Leão XIII, esta encíclica que versa sobre as liberdades humanas de maneira direta e quase exclusiva, não somente desatando e condenando errôneas interpretações acerca da mesma, mas também, anunciando aquilo que é factualmente e segunda a doutrina católica, o conceito de liberdade. Vejamos alguns trechos essenciais:

O libertador do gênero humano, Jesus Cristo, veio restaurar e aumentar a antiga dignidade da nossa natureza, mas foi à vontade mesma do homem que ele fez sentir principalmente a sua influência, e, pela sua graça, que lhe prodigalizou os socorros, pela felicidade eterna, de que lhe abriu a perspectiva no céu, elevou-o a um estado melhor. E, por um motivo semelhante, a Igreja católica bem mereceu sempre deste dom excelente da nossa natureza, e não cessará de bem merecer dele, pois que é a ela que pertence assegurar aos benefícios, que nós devemos a Jesus Cristo, a sua propagação em toda consecução dos séculos. - Libertas Praestantissimum
E, contudo, há um grande número de homens que crêem que a Igreja é adversária da liberdade humana. A causa disto está na idéia errônea e adulterada que se faz da liberdade; porque, com esta mesma alteração da sua noção, ou com a exagerada extensão que se lhe dá, chega-se a aplicá-la a muitas coisas, nas quais o homem, a julgar segundo a reta razão, não pode ser livre. - Libertas Praestantissimum

Leão XIII esclarece que a liberdade é dom da natureza humana, e que o próprio Cristo Nosso Senhor é o libertador do gênero humano, ainda sim, afirma que grande é o número daqueles que acusam a Santa Igreja de ser adversária e inimiga da liberdade humana, e que, a causa destes ataques parte de uma má compreensão acerca daquilo que de fato é a liberdade humana, seja pela sua extrapolação, dando ao homem a competência de ser livre em matérias que licitamente não o é, seja na distorção própria do conceito ou noção de liberdade. Vejamos portanto, a definição resumida de liberdade dada pela encíclica:

A liberdade, portanto, é, como dissemos, herança daqueles que receberam a razão ou a inteligência em partilha; e esta liberdade, examinando-se a sua natureza, outra coisa não é senão a faculdade de escolher entre os meios que conduzem a um fim determinado. É neste sentido que aquele que tem a faculdade de escolher uma coisa entre algumas outras, é senhor de seus atos. - Libertas Praestantissimum
Ora, toda a coisa aceita com o fim de obter por ela uma outra, pertence ao gênero do bem que se chama útil; e tendo o bem como característica operar propriamente sobre o apetite, é mister concluir daí que o livre-arbítrio é a característica da vontade, ou antes é a vontade mesma, quando nos seus atos ela tem a faculdade de escolher. Mas é impossível à vontade mover-se, se o conhecimento da inteligência, como uma luz, não a esclarece primeiramente: isto é, que o bem desejado pela vontade é necessariamente o bem quando conhecido pela razão. E isso tanto mais que, em toda a volição, a escolha é sempre precedida de juízo sobre a verdade dos bens e sobre a preferência que devemos conceder a um deles sobre os outros. Ora, julgar é da razão, não da vontade; não se pode razoavelmente duvidar disso. Admitido, pois, que a liberdade reside na vontade, que por sua natureza é um apetite obediente à razão, segue-se que a liberdade, como a vontade, tem por objeto um bem conforme à razão. - Libertas Praestantissimum

Portanto, a liberdade é dom dos homens e somente da natureza dos mesmos, como já mencionado, por herança da razão, e se resume na faculdade de selecionar os meios para que se destine à determinado fim. Está é a definição geral de liberdade, contudo, ela pode ser exercida de maneira imperfeita e ilícita, quanto a isso, diz Leão XIII:

Todavia, não possuindo cada uma dessas faculdades a perfeição absoluta, pode suceder, e sucede freqüentemente, que a inteligência proponha à vontade um objeto que, em lugar duma bondade real, não tem senão a aparência, uma sombra de bem, e que a vontade contudo se aplique. Mas assim como o poder enganar-se, e enganar-se realmente, é uma falta que acusa a ausência da perfeição integral na inteligência, assim também aderir a um bem falso e enganador, ainda que seja um indício do livre-arbítrio, constitui contudo um defeito da liberdade, como a doença o é da vida. Igualmente a vontade, só pelo fato de que depende da razão, desde que deseja um objeto que se afaste da reta razão, cai num vício radical que não é senão a corrupção e o abuso da liberdade. - Libertas Praestantissimum

Sendo assim, pela deficiência da inteligência, destinando a vontade à um objeto desordenado e ilícito, apenas sob a aparência de um bem ordenado, a liberdade se torna não mais dom ordenado e virtuoso, mas vício radical, corrupção e abuso da liberdade, utilizando-se das mesmas palavras do santo padre. A classificação de licitude destes fim, meios ou objetos sujeitos à inteligência estão submetidos obviamente a moral católica, única que como herdeira da fé de Israel, recebeu a lei natural, entregue pelo próprio Deus através de seus mandamentos, que foi elevada por este mesmo Deus, Cristo Nosso Senhor, e que, a competência para se versar em sentido infalível e categórico sobre a mesma foi destinada ao magistério estabelecido pelo próprio Cristo, sob autoridade de seus apóstolos e em especial, de São Pedro, príncipe dos apóstolos e bispo de Roma; todo sistema moral alheio a fé católica e alheio ao sagrado magistério não possuí competência real e autoridade para versar ou prescrever definições acerca de moral, e portanto, não pode ser assumido como sistema moral de católico algum, isto é evidente e deveria ser claro, afinal, ainda que os homens possuam a lei natural inscrita em suas almas e de algum modo racional possam conhece-la e a exercer imperfeitamente, esta lei NUNCA estará alheia ao seu próprio princípio, que é a própria Causa Primeira de todas as coisas, tampouco seu fim último, que também é Ele mesmo, ou seja, está alicerçada sobre a autoridade de Deus e não sob o julgo particular da razão do indivíduo. Por isso, na mesma encíclica, Leão XIII diz:

Tal é, a principal de todas, a lei natural que está escrita e gravada no coração de cada homem, porque é a razão mesma do homem que lhe ordena a prática do bem e lhe interdiz o pecado. Mas essa prescrição da razão humana não poderia ter força de lei, se ela não fosse órgão e intérprete de razão mais alta, à qual o nosso espírito e a nossa liberdade devem obediência. Sendo, na verdade, a missão da lei impor deveres e atribuir direitos, a lei assenta completamente sobre a autoridade, isto é, sobre um poder verdadeiramente capaz de estabelecer esses deveres e de definir esses direitos, capaz também de sancionar suas ordens por castigos e recompensas; coisas que não poderiam evidentemente existir no homem, se ele desse a si próprio, como legislador supremo, a regra dos seus atos. Disso se conclui, pois, que a lei natural outra coisa não é senão a lei eterna gravada nos seres dotados de razão, inclinando-os para o ato e o fim que lhes convenha; e essa não é senão a razão eterna de Deus, Criador e Governante do mundo. - Libertas Praestantissimum

Apenas por este ponto já se derrubaria a possibilidade de assumir alguma posição libertária que se utilize de um sistema moral próprio, seja o PNA, seja algum sistema que utiliza-se do PNA como alicerce ou norte, seja utilizand0-se de qualquer sistema desenvolvido por alguma corrente libertária, já que, estes sistemas não foram prescritos pela Igreja, tampouco possuem Deus como princípio, alicerce e como fim último. Bom, até aqui, estão dispostas as definições de liberdade ordenada, de liberdade desordenada, da lei sob a qual o homem deve estar submetido para que faça bom exercício de sua liberdade e quem pode versar e prescrever definições acerca desta mesma lei natural, estabelecida pelo próprio Deus. Compreendendo todas essas definições e ensinos basilares, partimos para as perguntas centrais, são elas:

1 - As autoridades seculares (isto incluso o Estado, é claro) podem de maneira coercitiva, limitar a degradação da liberdade humana visando a preservação não tão somente deste mesmo indivíduo, mas também, do bem comum?

2 - A Igreja afirma que somente relações voluntárias podem constituir uma governança legítima, digna de nossos impostos e de nossa submissão?

Quanto ao primeiro ponto, vejamos o ensino de Leão XIII e da Santa Igreja:

Mas, entre as leis humanas, há as que têm por objeto o que é bem ou mal naturalmente, acrescentando à prescrição de praticar um e evitar o outro uma sanção conveniente. Tais leis não têm de modo algum sua origem na sociedade dos homens; porque, assim como não foi a sociedade que criou a natureza humana, também não foi ela que fez com que o bem esteja em harmonia e o mal em desacordo com essa natureza; mas tudo isso é anterior à própria sociedade humana, e deve absolutamente estar ligado à lei natural e portanto à lei eterna. Como se vê, os preceitos de direito natural compreendidos nas leis dos homens não têm somente o valor da lei humana, mas supõem antes de tudo essa autoridade muito mais elevada e muito mais augusta que brota da lei natural e da lei eterna. Nesse gênero de leis, a missão do legislador civil limita-se a obter, por meio da disciplina comum, a obediência dos cidadãos, punindo os maus e os viciosos, com o fim de os afastar do mal e de os chamar ao bem, ou ao menos de os impedir de ferir a sociedade e de lhe ser prejudicial. - Libertas Praestantissimum
Quanto às outras prescrições do poder civil, não procedem imediata ou diretamente do direito natural; são dele conseqüências mais afastadas e indiretas, e têm por fim precisar os pontos diversos sobre os quais a natureza não se pronunciara senão de maneira vaga e geral. Assim, a natureza ordena aos cidadãos que contribuam com o seu trabalho para a tranqüilidade e prosperidade públicas: em que medida, em que condições, sobre que objetos, estabelece-o a sabedoria dos homens e não a natureza. Ora essas regras particulares de proceder, criadas por uma razão prudente e intimadas por um poder legítimo, constituem o que propriamente se chama lei humana. Visando ao fim próprio da comunidade, essa lei ordena a todos os cidadãos que concorram para ele, e proíbe-lhes que dele se afastem; e enquanto segue a natureza e se harmoniza com as suas prescrições, ela conduz-nos ao que é bem e afasta-nos do mal. Por onde se vê que é absolutamente na lei eterna de Deus que é mister buscar a regra e a lei da liberdade, não somente para os indivíduos, mas também para as sociedades humanas. - Libertas Praestantissimum
É, além disso, um dever real respeitar o poder e submeter-se a leis justas; donde deriva que a autoridade vigilante das leis preserva os cidadãos das empresas criminosas dos maus. O poder legítimo vem de Deus, e “aquele que resiste ao poder, resiste à ordem estabelecida por Deus”; é assim que a obediência adquire uma nobreza maravilhosa, pois que se não inclina senão diante da mais justa e mais alta das autoridades. - Libertas Praestantissimum
Não é muito difícil estabelecer que aspecto e que forma terá a sociedade se a filosofia cristã governa a coisa pública. – O homem nasceu para viver em sociedade, portanto, não podendo no isolamento nem se proporcionar o que é necessário e útil à vida, nem adquirir a perfeição do espírito e do coração, a Providência o fez para se unir aos seus semelhantes, numa sociedade tanto doméstica quanto civil, única capaz de fornecer o que é preciso à perfeição da existência. Mas, como nenhuma sociedade pode existir sem um chefe supremo e sem que a cada um imprima um mesmo impulso eficaz para um fim comum, daí resulta ser necessária aos homens constituídos em sociedade uma autoridade para rege-los; autoridade que, tanto como a sociedade, procede da natureza e, por conseqüência, tem a Deus por autor.
Daí resulta ainda que o poder público só pode vir de Deus. Só Deus, com efeito, é o verdadeiro e soberano Senhor das coisas; todas, quaisquer que sejam, devem necessariamente ser-lhes sujeitas e obedecer-lhe; de tal sorte que todo aquele que tem o direito de mandar não recebe esse direito senão de Deus, Chefe supremo de todos. “Todo poder vem de Deus” (Rom 13,1).6. Aliás, em si mesma a soberania não está ligada a nenhuma forma política; pode muito bem adaptar-se a esta ou àquela, contanto que seja de fato apta à utilidade e ao bem comum. - Immortale Dei
Pelo contrário, liberdade verdadeira e desejável é a que, na ordem individual, não deixa o homem escravo nem dos erros, nem das paixões, que são os seus piores tiranos; e na ordem pública traça regras sábias aos cidadãos, facilita largamente o incremento do bem-estar e preserva do arbítrio de outrem a coisa pública. – Essa liberdade honesta e digna do homem, a Igreja a aprova ao mais alto ponto, e, para garantir aos povos o firme e integral gozo dela, nunca cessou de lutar e de combater - Immortale Dei
 Desta maneira, a supremacia do mando arrastará a homenagem voluntária do respeito dos súditos. De feito, se estes estiverem uma vez bem convencidos de que a autoridade dos soberanos vem de Deus, sentir-se-ão obrigados em justiça a acolher docilmente as ordens dos príncipes e a lhes prestar obediência e fidelidade, por um sentimento semelhante à piedade que os filhos tem para com seus pais. “Seja toda alma sujeita aos poderes mais elevados” (Rom 13,1).
Porquanto não é lícito desprezar o poder legítimo, seja qual for a pessoa em que ele resida, mais do que resistir à vontade de Deus; ora, os que lhe resistem correm por si mesmos para sua perda. “Quem resiste ao poder resiste à ordem estabelecida por Deus, e os que lhe resistem atraem a si mesmos a condenação” (Rom 5, 2). Assim, pois, sacudir a obediência e revolucionar a sociedade por meio da sedição é um crime de lesa-majestade, não só humana, mas divina. - Immortale Dei

É um dever portanto, submeter-se às autoridades seculares, estas que também possuem legitimamente, não somente o direito de inibir más condutas, mas o dever de o fazer para a preservação do bem público e das almas. Quanto a legitimidade dessas autoridades seculares, voltemos ao exemplo histórico e ao próprio Evangelho, quando Nosso Senhor diz:

Evangelho Segundo São Matheus 22, 17-22
17.Dize-nos, pois, o que te parece: É permitido ou não pagar o imposto a César?”.
18.Jesus, percebendo a sua malícia, respondeu: “Por que me tentais, hipócritas?
19.Mostrai-me a moeda com que se paga o imposto!”. Apresentaram-lhe um denário.
20.Perguntou Jesus: “De quem é esta imagem e esta inscrição?”.
21.“De César” – responderam-lhe. Disse-lhes então Jesus: “Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.
22.Esta resposta encheu-os de admiração e, deixando-o, retiraram-se.

Também diz São Paulo:

Toda alma esteja sujeita aos poderes superiores, porque não há poder que não venha de Deus e os que existem foram instituídos por Deus. Aquele, pois, que resiste à autoridade, resiste à ordenação de Deus. E os que resistem, atraem sobre si próprios a condenação. Com efeito, os príncipes não são para temer pelas ações boas, mas pelas más. Queres, pois, não temer a autoridade? Faze o bem, e terás o louvor dela, porque ela é ministro de Deus para teu bem. Mas, se fizeres o mal, teme, porque não é debalde que ela traz a espada. Porquanto ela é ministro de Deus vingador, para punir aquele que faz o mal. É, pois, necessário que lhe estejais sujeitos, não somente pelo temor da ira, mas também por motivo de consciência. De fato, também por esta causa é que pagarás os tributos, pois são ministros de Deus, servindo-o nisto mesmo. Pagai, pois, a todos o que lhes é devido: a quem tributo, o tributo, a quem imposto, o imposto, a quem temor, o temor, a quem honra, a honra - Epístola aos Romanos 13,7

A afirmação de São Paulo é clara e evidente, assim como a de Cristo Nosso Senhor, ele afirma que devemos pagar os impostos às autoridades, e a figura de César ao que parece, não se direciona de maneira pessoal ao próprio Júlio César, mas ao próprio conceito de autoridade secular; como factualmente utilizamos o termo "César" para referenciar uma chefia de Estado, essa acepção de "título" e não da figura pessoal de Júlio César já surge de maneira quase contemporânea a vida de Nosso Senhor.

Ainda sim, é necessário se respaldar na exegese das autoridades eclesiais, vejamos alguns comentários feitos diretamente ou em referência a passagem de Nosso Senhor, que podem ser distorcidas em algumas interpretações errôneas:

O próprio Unigênito "fez-se nossa sabedoria, justiça e santificação". Foi considerado como um de nós e como tal pagou tributo a César. - Santo Agostinho, Confissões.
A sabedoria sempre age com sabedoria e, portanto, é melhor refutar os tentadores com suas próprias palavras; portanto segue: “Mostre-me o dinheiro do tributo; e trouxeram-lhe um denário.” Esta era uma moeda equivalente a dez sestércios e trazia a imagem de César. Deixe que aqueles que pensam que o Salvador pergunta porque Ele é ignorante, aprendam com o presente lugar que não é assim, pois sobre todas as coisas Jesus deveria saber de quem era a imagem na moeda.

“Dizem-lhe: é de César;” não Augusto, mas Tibério, sob quem também o Senhor sofreu. Todos os imperadores romanos eram chamados de César, desde Caio César, que primeiro tomou o poder principal. “Dai, pois, a César o que é de César”; isto é, a moeda, tributo ou dinheiro. - São Jerônimo, trecho retirado da Catena Aurea de Santo Tomás.
Em geral, se diz: A medida que o tributo é devido aos príncipes, como os ministros de Deus, "Pagai, pois, a todos o que lhes é devido". Por estas palavras, é manifesta às pessoas a necessidade de justiça de dar aos príncipes o que lhes é devido (Mat 28:24): "foi ao rei apresentado um que lhe devia dez mil talentos" e (22:21): "Dai pois a César o que é de César" (...). - Santo Tomás de Aquino, Comentários à Epístola de São Paulo aos Romanos.

Destas exegeses e comentários podemos retirar algumas conclusões importantes e derradeiras quanto à segunda pergunta estipulada anteriormente. Fica claro que os Evangelhos ensinam que é necessário o pagamento dos tributos/impostos/taxas (da mesma maneira a Igreja também ensina que os impostos não podem impedir o sustento e a sobrevivência da família, tampouco atentar contra a lei natural de maneira direta, nestes casos, abre-se a possibilidade de esquivar dessa tributação), sendo pois o pagamento um dever, e não parte de uma relação voluntária. Em segundo lugar, todos os comentários são feitos num contexto de julgo romano, isto é visível nos primeiros séculos da mesma maneira, cristãos não eram insurrectos, Cristo não convoca insurreição e insubmissão frente as autoridades romanas, na verdade, afirma o exato oposto, ainda pelo exemplo histórico podemos observar que os mártires e os cristãos dos primeiros séculos eram cidadãos exemplares, buscavam a conversão de seus governantes e factualmente, com a Graça de Deus, alcançaram estes feitos. Seria então o Império Romano pagão mais legítimo que o Estado moderno, para submissão dos cristãos? É evidente que não, na verdade, todas as encíclicas dispostas nesse artigo, e que ainda o serão, foram escritas já em contexto de estabelecimento dos Estados modernos, e portanto, quando versam sobre os deveres das autoridades seculares, já o fazem em referência à estas autoridades.

Se portanto, algum libertário ou alguma corrente libertária, afirmar estas proposições abaixo:

1 - Que o Estado (incluso o Estado moderno) ou qualquer governança não voluntária é ilegítima e sua autoridade não provém de Deus.

2 - Que a tributação, os impostos e as taxas, são ilegítimos por partirem de relações coercitivas e não voluntárias, sendo assim, roubo das autoridades estatais.

3 - Que a liberdade humana é irrestrita (ou limitada apenas por certos aspectos morais guiados por algum sistema como PNA) é um direito inalienável do homem, e não pode ser cerceada por autoridade alguma, ainda que pela preservação do bem comum e das almas.

Por conclusão ÓBVIA, não pode ser católico, ou não pode afirmar que suas posições são compatíveis com a Doutrina católica de sempre, ensinada por Cristo, pelos apóstolos, pelos teólogos, pelos santos Padres, e é claro, pela própria Igreja.

Ao finalizar este tópico, convido todos os leitores a ler por completo as seguintes encíclicas, Libertas Praestantissimum de Leão XIII e Immortale Dei também de Leão XIII, ambas as encíclicas são mais completas e possuem mais ensinamentos importantes e pertinentes ao tema, especialmente se tratando do tema "liberalismo", contudo, como a conclusão já se torna óbvia a partir da exposição dos argumentos anteriores, não se faz necessário prosseguir com a mesma, sendo assim, partimos ao próximo tópico.

A Crise Conciliar e a ruptura com a Doutrina de Sempre

Concílio Vaticano II e João XXIII, papa que convocou o Concílio em 1962.

Como afirmado anteriormente, o Concílio trouxe em seus documentos, uma série de ambiguidades, de cunho semântico e hermenêutico. Ao iniciar o artigo, 3 elementos alterados e pertinentes ao tema do libertarianismo foram mencionados, são eles:

A mudança em relação aos temas da liberdade religiosa, também por consequência, de consciência e expressão.

A introdução do antropocentrismo e de um humanismo quimérico ao corpo de doutrina da Igreja.

Trataremos apenas destes pontos (de longe não são os únicos acerca do Concílio) de maneira digerida e simples para fins de exposição e pertinência ao tema do artigo, mas que, já são suficientes para a percepção de ruptura evidente.

Tratando-se da liberdade religiosa, a declaração e documento "Dignitatis Humanae" do Concílio Vaticano II afirma:

 Este Concílio Vaticano declara que a pessoa humana tem direito à liberdade religiosa. Esta liberdade consiste no seguinte: todos os homens devem estar livres de coacção, quer por parte dos indivíduos, quer dos grupos sociais ou qualquer autoridade humana; e de tal modo que, em matéria religiosa, ninguém seja forçado a agir contra a própria consciência, nem impedido de proceder segundo a mesma, em privado e em público, só ou associado com outros, dentro dos devidos limites. Declara, além disso, que o direito à liberdade religiosa se funda realmente na própria dignidade da pessoa humana, como a palavra revelada de Deus e a própria razão a dão a conhecer. Este direito da pessoa humana à liberdade religiosa na ordem jurídica da sociedade deve ser de tal modo reconhecido que se torne um direito civil. - Dignitatis Humanae
De harmonia com própria dignidade, todos os homens, que são pessoas dotadas de razão e de vontade livre e por isso mesmo com responsabilidade pessoal, são levados pela própria natureza e também moralmente a procurar a verdade, antes de mais a que diz respeito à religião. Têm também a obrigação de aderir à verdade conhecida e de ordenar toda a sua vida segundo as suas exigências. Ora, os homens não podem satisfazer a esta obrigação de modo conforme com a própria natureza, a não ser que gozem ao mesmo tempo de liberdade psicológica e imunidade de coacção externa. O direito à liberdade religiosa não se funda, pois, na disposição subjectiva da pessoa, mas na sua própria natureza. Por esta razão, o direito a esta imunidade permanece ainda naqueles que não satisfazem à obrigação de buscar e aderir à verdade; e, desde que se guarde a justa ordem pública, o seu exercício não pode ser impedido. - Dignitatis Humanae

Vejamos então a contrariedade evidente das declarações anteriores de diferentes papas, e que fazem parte do magistério ordinário da Igreja:

Leão XIII

Para evidenciar melhor essas verdades, é conveniente considerar separadamente as diversas espécies de liberdades que se dão como conquistas da nossa época. – E primeiramente, a propósito dos indivíduos, examinemos essa liberdade tão contrária à virtude da religião – a “liberdade de culto”, como é chamada -, liberdade que se baseia no princípio de que é lícito a cada qual professar a religião que mais lhe agrade, ou mesmo não professar nenhuma. -  Libertas Praestantissimum
Mas, precisamente pelo contrário, sem dúvida alguma, entre todos os deveres do homem, o maior e o mais santo é aquele que ordena a ele que renda a Deus um culto de piedade e de religião. E esse dever não é senão uma conseqüência do fato de nós estarmos perpetuamente sob a dependência de Deus, governados pela vontade e providência de Deus, e de que,saídos dEle devemos voltar a Ele. -  Libertas Praestantissimum
Deve-se acrescentar que nenhuma virtude digna desse nome pode existir sem a religião, pois a virtude moral é aquela cujos atos têm por objeto tudo o que condiz a Deus considerado como supremo e soberano bem do homem; e por isso é que a religião, que “pratica os atos tendo por fim direito e imediato a honra divina”, é a rainha e ao mesmo tempo a regra de todas as virtudes. E se se pergunta qual, entre todas essas religiões opostas, se deve seguir com exclusão das outras, a razão e a natureza unem-se para nos responder: a que Deus prescreveu e que é fácil de distinguir, graças a certos sinais exteriores pelos quais a divina Providência a quis tornar reconhecível, pois que em coisa de tanta importância o erro acarretaria conseqüências muito desastrosas. É por isso que oferecer ao homem a liberdade de que falamos, é dar-lhe o poder de desvirtuar ou abandonar impunemente o mais santo dos deveres, afastando-se do bem imutável, a fim de se voltar para o mal. Isso, já o dissemos, não é liberdade, e sim depravação da liberdade, e uma escravidão da alma na abjeção do pecado. -  Libertas Praestantissimum
Encarada do ponto de vista social, essa mesma liberdade quer que o Estado não renda culto algum a Deus, ou que não autorize nenhum culto público; que nenhuma religião seja preferida a outra, que todas sejam consideradas como tendo os mesmos direitos, sem mesmo ter atenção para com o povo, até quando esse povo faz profissão de catolicismo. Mas, para que assim fosse, seria necessário que realmente a comunidade civil não tivesse nenhum dever para com Deus, ou que, tendo-o, pudesse impunemente afastar-se dele: o que é igual e manifestamente falso. Com efeito, não se pode pôr em dúvida que a reunião dos homens em sociedade seja obra da vontade de Deus; e isso, quer se considere em seus membros, quer na sua forma que é a autoridade, na sua causa, quer no número e importância das vantagens que ela procura ao homem. Foi Deus quem fez o homem para a sociedade e o uniu aos seus semelhantes, a fim de que as necessidades da sua natureza, às quais os seus esforços isolados não poderiam dar satisfação, a possam encontrar na comunidade. Eis aí por que a sociedade civil como sociedade deve necessariamente reconhecer Deus como seu princípio e seu autor, e, por conseguinte, render ao seu poder e à sua autoridade a homenagem do seu culto. Nem segundo a justiça, nem segundo a razão o Estado pode ser ateu, ou, o que viria a dar no ateísmo, estar animado a respeito de todas as religiões, como se diz, das mesmas disposições e conceder-lhes indistintamente os mesmos direitos. - Libertas Praestantissimum

Pio IX

E contra a doutrina da Sagrada Escritura e dos Santos Padres, (os seguidores do naturalismo) não temem afirmar que “o melhor governo é aquele no qual não se reconhece ao poder político a obrigação de reprimir com sanções penais os violadores da religião católica, a não ser quando a tranqüilidade pública o exija”. Desta idéia absolutamente falsa do regime social não receiam passar a fomentar aquela opinião errônea e mortal para a Igreja Católica e a salvação das almas, chamada por nosso predecessor de feliz memória, Gregório XVI, loucura, a saber que “a liberdade de consciência e de cultos é um direito próprio de cada homem, que deve ser proclamado e garantido em toda sociedade retamente constituída. (BAC, Doutrina Pontifícia, II documentos políticos, 1958, p. 8) - Quanta Cura
“77. Na nossa época não é mais necessário que a religião católica seja considerada como a única religião do Estado, excluídos os outros cultos. -Syllabus
78. Por isso é de louvar que em regiões católicas, se tenha providenciado por lei, que aos imigrantes naquelas regiões se permita o culto público próprio deles.” (BAC, ib. p. 37). - Syllabus

*Syllabus versa sobre os erros modernos, pontuando-os, portanto, se um afirmação aparece listada no Syllabus, esta é condenada.

Papa Gregório XVI

Não temos dúvida de que, à nossa e à vossa dedicação, virão em auxílio também as autoridades civis, e, principalmente, os potentíssimos príncipes da Itália, seja pelo empenho de que são animados a sustentar a religião católica, seja porque não foge à sua percepção o quanto é importante também para o bem e a tranqüilidade dos próprios Estados que se tornem vãos os esforços dos mencionados sectários. Pois já está claro e comprovado, por longa experiência dos tempos passados, que para retirar dos povos a fidelidade e a obediência a seus príncipes não existe meio mais eficaz do que a indiferença religiosa que os sectários propagam sob o nome de liberdade religiosa. Nem isso dissimulam os novos sócios da “Aliança cristã”, os quais, embora se professem alheios a incitar à desobediência civil, todavia confessam que do tornar comum a cada um do povo o arbítrio de interpretar as Escrituras e do difundir, assim, entre os italianos aquela que eles chamam de total liberdade de consciência, virá espontaneamente também a liberdade política da Itália. - Inter Praecipuas

Está claro e evidente que a afirmação conciliar é frontalmente contrária ao ensino dos papas de outrora, este ensino mesmo que cruzou os séculos, foi afirmado por diversos outros papas não citados acima, e que, portanto, faz parte do magistério ordinário, foi ensinado sempre e em todo lugar, por isso, torna-se naturalmente parte do corpo de Doutrina perene da Igreja, que é infalível. Como diz Pio IX na Quanta Cura:

"E contra a doutrina da Sagrada Escritura e dos Santos Padres..."

Veja, esta é uma afirmação muito clara, e deixa evidente que o ensino versado a seguir é PERENE, pois está incluso na doutrina das Sagradas Escrituras e do Magistério, sendo pois, parte do depósito da fé e IMUTÁVEL.

Partindo ao ponto do humanismo, retornemos para a afirmação de Paulo VI:

"Vós humanistas do nosso tempo, que negais as verdades transcendentes, daí ao Concílio ao menos este louvor e reconhecei este nosso humanismo novo: também nós, e nós mais do que ninguém, somos cultores do homem." - Paulo VI, 7 de dezembro de 1965, sessão de encerramento do Concílio Vaticano II.

O tema do humanismo conciliar renderia um novo artigo, é um tema complexo, espinhoso, visivelmente observável nos documentos do Concílio especialmente na exposição do conceito de "dignidade da pessoa humana", mas, com a própria confissão de Paulo VI, não resta dúvidas em afirmar que o humanismo foi o alicerce da maior parte dos documentos conciliares e ao mesmo tempo, a conclusão, já que introduziu o mesmo à "doutrina" da Santa Igreja, ainda que não um humanismo secular ou ateu, mas uma quimera que resultou em um humanismo religioso, influenciado por diversos intelectuais, como Maritain e seu humanismo integral, também é claro, fruto da contribuição de diversos religiosos heterodoxos, como Congar, Rahner, Balthasar e de Lubac.

Paulo VI com sua tiara papal, a qual renunciaria anos depois.

Sendo pois, um tema complexo cujo desenvolvimento é demasiado extenso, tendo provado a infiltração do humanismo com a própria declaração de Paulo VI, resta recomendar aos leitores duas grandiosas obras do padre Álvaro Calderón, da FSSPX, são elas:

Prometeu a Religião do Homem

A Candeia debaixo do Alqueire

Ambas obras profundas, e que necessitam de certo conhecimento doutrinal e filosófico para a melhor absorção do conteúdo e da cristalina argumentação do Pe. Calderón, mas que estão altamente recomendadas por versarem exatamente acerca deste ponto.

A mudança de postura sobre a pena de morte

São Luis IX.

Recentemente alguns debates sobre São Luís IX foram levantados em redes sociais, em especial acerca da pena de morte e outros castigos físicos que este mesmo santo lançou sobre inimigos da fé; claramente, a interpretação e ensino acerca da pena de morte foram alterados nas últimas décadas, de maneira gradual por outros papas pós conciliares mas, contrariada por completo no atual papado de Francisco. Vejamos o que diz Francisco em um de seus documentos recentes acerca do tema:

Nos séculos passados, quando faltavam os instrumentos dos quais hoje dispomos para a tutela da sociedade e ainda não tinha sido alcançado o nível atual de desenvolvimento dos direitos humanos, o recurso à pena de morte apresentava-se nalgumas ocasiões como uma consequência lógica e justa. Até no Estado Pontifício se recorrera a esta forma desumana de punição, ignorando o primado da misericórdia sobre a justiça.
É por isso que a nova redação do Catecismo dá a entender que devemos assumir a nossa responsabilidade pelo passado e reconhecermos que a aceitação deste tipo de pena foi consequência de uma mentalidade de uma época mais legalista do que cristã, que sacralizou o valor de leis carentes de humanidade e de misericórdia. A Igreja não podia permanecer numa posição neutral diante das exigências atuais de reafirmação da dignidade pessoal.
A reforma do texto do Catecismo no ponto dedicado à pena de morte não implica qualquer contradição com o ensinamento do passado, porque a Igreja sempre defendeu a dignidade da vida humana. Todavia, o desenvolvimento harmonioso da doutrina impõe a necessidade de refletir no Catecismo o facto que, permanecendo firmemente a gravidade do delito cometido, a Igreja ensina, à luz do Evangelho, que a pena de morte é sempre inadmissível porque lesa a inviolabilidade e a dignidade da pessoa.
Ao mesmo tempo, o Magistério da Igreja acredita que as condenações perpétuas, que privam da possibilidade de uma redenção moral e existencial, a favor do condenado e a favor da comunidade, são uma forma de pena de morte escondida (cf. Discurso a uma delegação da Associação Internacional de Direito Penal, 23 de outubro de 2014). Deus é um Pai que espera sempre o regresso do filho, o qual, sabendo que errou, pede perdão e começa uma vida nova. Por conseguinte, a ninguém se pode tirar a vida nem a esperança da sua redenção e reconciliação com a comunidade - Discurso do papa Francisco à Delegação da Comissão Internacional Contra a Pena de Morte

As afirmações desses trechos são de uma gravidade inimaginável, escandalosas ao extremo, e absurdamente latentes em sentido de ruptura com o ensino anterior. Francisco não só afirma que o ensino BIMILENAR da Igreja estava incorreto, afirma na verdade que este mesmo ensino partia de uma visão legalista e não Cristã, ora, ele está afirmando que dezenas de papas, incluindo vários destes que foram santos como São Pio X e São Pio V, que Santo Tomás de Aquino, que Santo Agostinho, que diversos teólogos e doutores da Igreja, e a própria Igreja, versaram sobre estas definições de maneira LEGALISTA e não CRISTÃ. É cômico imaginar que Francisco possa dizer que São Pio X ou São Pio V tiveram ensinos menos cristãos e mais legalistas do que ele mesmo, observemos os frutos de cada um dos papados, e chegaremos à uma conclusão clara e evidente. Vejamos então as declarações acerca da pena de morte, dispostas ao longo de 2 mil anos de catolicismo:

Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica 64-2; 65-2
Cada parte é direcionada para o todo, assim como o imperfeito para o perfeito, portanto cada parte existe naturalmente para o bem do todo. Por esta razão vemos que se a saúde de todo o corpo humano exige a excisão de um membro, porque se tornou pútrido ou infeccioso para os outros membros, seria louvável e saudável cortá-lo.

Agora, cada indivíduo está relacionado com toda a sociedade como uma parte do todo. Portanto, se um homem é perigoso e contagioso para a comunidade, por causa de algum pecado, é louvável e saudável que ele seja morto para salvaguardar o bem comum, pois “um pouco de fermento corrompe toda a massa” (1 Cor. 5). :6).
Um poder maior implica uma coação mais forte. Pois, assim como a cidade é uma comunidade perfeita, assim, o seu chefe tem o poder perfeito de coagir. Por isso, pode infligir penas irreparáveis como a de morte ou de mutilação.
Santo Agostinho
A própria autoridade divina opôs algumas excepções ao princípio de que não é lícito matar um homem. Mas trata-se de excepções em que ordena que se dê a morte, quer por uma lei promulgada, quer por uma ordem expressa que, na ocasião, visa certa pessoa. (Mas então aquele que deve o seu ministério ao chefe que manda, não é ele próprio que mata; comporta-se como um instrumento — como a espada para o que a utiliza. Por isso não violaram o preceito não matarás os homens que, movidos por Deus, levaram a cabo guerras, ou os que, investidos de pública autoridade e respeitando a sua lei, isto é, por imperativo de uma razão justíssima, puniram com a morte os criminosos. - A Cidade de Deus, Cap 21
Papa Inocêncio I em 405

“Deve ser lembrado que o poder foi concedido por Deus, e para vingar o crime a espada foi permitida; quem executa esta vingança é ministro de Deus. Que motivo temos nós para condenar uma prática que todos consideram permitida por Deus? (Inocêncio 1, Epist. 6, C. 3. 8, ad Exsuperium, Episcopum Tolosanum, 20 de fevereiro de 405, PL 20.495)
Papa Inocêncio III em 1210

O poder secular pode, sem pecado mortal, executar uma sentença de morte, desde que proceda na imposição da pena não por ódio, mas com julgamento, não descuidadamente, mas com a devida solicitude. (Inocêncio III, DS 795/425)
Papa Paulo III, 1534-1549

"(…)Foram especificadas as penas a serem aplicadas: prisão, execução e confisco de bens no caso dos condenados à morte.” Bula Papal, Licet ab Initio, 1542
Papa Leão XIII, 1901

“A sentença de morte é um meio necessário e eficaz para a Igreja atingir os seus fins quando os rebeldes contra ela perturbam a unidade eclesiástica, especialmente os hereges obstinados que não podem ser impedidos por qualquer outra pena de continuar a perturbar a ordem eclesiástica”. - Prefácio ao vol. 2 do "Livro de Direito Canônico"
Catecismo do Concílio de Trento acerca do 5º mandamento
Outra espécie de homicídio lícito pertence às autoridades civis, a quem é confiado o poder de vida ou de morte, cujo exercício legal e judicioso punem os culpados e protegem os inocentes. O justo uso deste poder, longe de envolver o crime de homicídio, é um acto de obediência suprema a este Mandamento que proíbe o homicídio. O fim do Mandamento é a preservação e segurança da vida humana. Ora, os castigos infligidos pela autoridade civil, legítima vingadora do crime, tendem naturalmente para este fim, pois dão segurança à vida, reprimindo o ultraje e a violência. Daí estas palavras de Davi: Pela manhã matei todos os ímpios da terra, para exterminar da cidade do Senhor todos os que praticam a iniqüidade [Salmos 101:8].
Catecismo São Pio X acerca do 5º mandamento
413.Haverá casos em que seja lícito matar o próximo? É lícito tirar a vida do próximo: durante o combate em guerra justa; quando se executa por ordem da autoridade suprema a condenação à morte em castigo de algum crime...

Além de todas essas citações, podemos também citar o exemplo de São Roberto Belarmino, que escreveu uma obra de nome "A Arte de Morrer Bem", onde o mesmo afirma que o condenado pode utilizar do seu sofrimento e penitência para se reabilitar com Deus, transformando sua execução em expiação, e sua morte em bom ato. Muitos papas utilizaram da pena de morte ou supervisionaram execuções, alguns deles são: Papa Júlio III, Papa Pio IV, São Pio V, Papa Sisto V e Papa Pio IX. Ainda por último, a própria afirmação de Cristo:

Evangelho Segundo São Lucas 17,1-2

1.Jesus disse também a seus discípulos: “É impossível que não haja escândalos, mas ai daquele por quem eles vêm!
2.Melhor lhe seria que se lhe atasse em volta do pescoço uma pedra de moinho e que fosse lançado ao mar, do que levar para o mal a um só destes pequeninos. Tomai cuidado de vós mesmos.

Então, estaria Francisco certo, e toda a Tradição da Igreja errada? Um ensino que faz parte do magistério ordinário, que atravessa 2 mil anos, foi ensinado por diversos papas, por Santo Tomás, por Santo Agostinho, por inúmeros doutores e teólogos da Igreja, por dois catecismos amplamente utilizados e tidos quase como universais(em especial o de Trento) e pelo próprio Cristo, fazia parte de um contexto legalista, que segundo Francisco "sacralizou o valor de leis carentes de humanidade e de misericórdia"? Isso é no mínimo absurdo, é chocante, e evidentemente, é uma mentira.

Vejamos, a infalibilidade deste ensino da Tradição acerca da pena de morte é notório, aquilo que faz parte do magistério ordinário e é ensinado por séculos e séculos, por milênios neste caso, está absolutamente fora de questão para ser revogado ou alterado, mais ainda pelo seguinte motivo, dois catecismos de uso geral da Igreja, o de Trento e do São Pio X, sendo o de Trento um catecismo universal, estão versando acerca de UM MANDAMENTO, isto não é qualquer coisa, uma afirmação e interpretação da Igreja disposta em um catecismo acerca de um mandamento tem na sua própria natureza a infalibilidade. Ainda sim, alguém pode questionar, se os catecismo modernos versam sobre isso de maneira contrária, ou ensinam coisas contrárias ao que foi estabelecido no magistério anterior, como por exemplo a questão da continuidade da Antiga Aliança ou da pena de morte como exposto anteriormente, estas afirmações dispostas em um novo catecismo pela Igreja, não seriam também infalíveis? Não, não o seriam, por diversas razões, mas a primeira delas é a falta de competência para se revogar aquilo que é irrevogável, a primazia do que foi estabelecido anteriormente como infalível e definido como parte do Depósito da Fé está completamente fora de cogitação em matéria de alteração ou revogação, e é claro, o esvaziamento de autoridade do Concílio já demonstra a falta de estabelecimento de infalibilidade nos seus ensinos, a própria crise conciliar pode ser definida como uma crise de autoridade.

Faço o convite aos leitores continuístas, de verdadeiramente encontrar a incompatibilidade da santa Doutrina de sempre com as afirmações de Francisco, o papa é um guardião do Depósito da Fé, da Revelação e do Sagrado Magistério, portanto, tudo que foi definido antes dele mesmo, não pode ser revogado, não pode ser alterado; assumir que um papa pode negar e revogar de maneira desatinada todo o corpo de doutrina que o precede é simplesmente papolatria, para além, não é catolicismo.

Partimos então para o último ponto deste artigo. (Não necessário à todos os leitores, leiam a introdução do mesmo)

Ratzinger e suas estranhas afirmações

Joseph Ratzinger (Bento XVI) e Yves Congar.

Este tópico tem como finalidade esclarecer algumas frases de Ratzinger, pertinentes ao autor deste artigo, a Legião Anchieta e um futuro possível debatedor. Caso haja interesse do leitor em se inteirar acerca do debate que possivelmente virá, e compreender também, algumas problemáticas envolvendo Ratzinger, sintam-se convidados à ler este artigo até o final.

Ratzinger diz no seu livro "Introdução ao Cristianismo":

Muito lateralmente damos aqui com uma importante norma da história da religião e da fé, a saber, que fé e religião sempre se desenvolvem e evoluem por nexos, jamais no sentido de uma total descontinuidade. A fé de Israel, sem dúvida, representa um elemento novo, em confronto com a fé dos povos vizinhos; contudo não se trata de algo caído do céu, mas de uma cristalização efetuada no embate com a fé dos outros povos, em que uma seleção belicosa e uma re-interpretação diferente representam, ao mesmo tempo, o elo e a mudança. - Introdução ao Cristianismo

Ratzinger afirma que a norma da religião e da fé é a de se desenvolver por nexos, nunca em total descontinuidade; e ele continua, afirmando como exemplo a "fé de Israel", esta que ele define como um novo elemento em confronto com a fé dos povos vizinhos, mas que pasmem, segundo ele mesmo, esta fé não caiu do céu. Poderíamos dizer que Ratzinger ao proferir esta definição, afirma claramente que a "fé de Israel" não é uma religião sobrenatural, mas natural, para os que não compreendem o significado e diferença entre as duas, a Igreja define da seguinte maneira:

Religião Natural: desenvolvida a partir dos elementos cognoscíveis ao homem, que se conhecem através da razão, não contendo portanto nenhum elemento de revelação divina.

Religião Sobrenatural: estabelecida a partir da Revelação divina ao homem, cujos elementos não são cognoscíveis de maneira natural ao mesmo pela sua própria razão.

Vejamos o que diz o Catecismo de São Pio X acerca deste ponto:

1) Deus, sapientíssimo Criador de todas as coisas, ordenou- -as todas a Si como a último fim, ou seja, para que lhe dessem glória manifestando as divinas perfeições nos bens que lhes comunicou. O homem, criatura principal deste mundo visível, devia também promover e realizar este fim conforme a sua natureza racional, com os atos livres de sua vontade, conhecendo, amando e servindo a Deus, para alcançar depois desta sorte o galardão que do mesmo Senhor havia de receber. Este vínculo moral ou lei universal, com que o homem obtém naturalmente ligado a Deus, chama-se religião natural.
2) Mas, havendo a bondade divina preparado para o homem uma recompensa muito superior do que ele pudesse pensar e desejar, isto é, querendo torná-lo partícipe de sua mesma bem-aventurança, como já não bastasse para fim tão elevado a religião natural, era necessário que Deus mesmo lhe instruísse nos deveres religiosos. Disto se segue que a religião, desde o início, teve que ser revelada, ou seja, manifestada por Deus ao homem.
3) Na verdade, Deus revelou a religião a Adão e aos primeiros Patriarcas, os quais sucedendo-se uns aos outros e vivendo juntos muitíssimo tempo, podiam transmiti-la facilmente, até que Deus nosso Senhor formou um povo que a guardasse até a vinda de Jesus Cristo, nosso Salvador, Verbo de Deus encarnado, mas que a cumpriu, aperfeiçoou e confiou à guarda da Igreja por todos os séculos. Tudo o que é demonstrado pela história da religião, confunde-se assim, pode-se dizer, com a história da humanidade. Que é coisa manifesta, que todas as que se chamam religiões, fora da única verdadeira revelada por Deus, da qual falamos, são invenções dos homens e desvios da Verdade, algumas das quais conservam uma parte, mista, porém com muitas mentiras e absurdos. - Catecismo de São Pio X, Princípios e Noções Fundamentais

No decreto Lamentabili de São Pio X:

1.Os dogmas que a Igreja apresenta como revelados não são verdades caídas do Céu; são uma certa interpretação de fatos religiosos que a inteligência humana logrou alcançar à custa de laboriosos esforços. - Decreto Lamentabili sane exitu

*O Decreto Lamentabili versa sobre os erros, se uma proposição esta disposta e numerada no decreto, então ela está condenada.

São Pio X versa neste ponto sobre o cristianismo é claro, mas curiosamente, utiliza da mesma expressão "caídas do céu" para referenciar estas verdades reveladas por Deus, e que já se faziam presentes desde Abraão. Ratzinger continua dizendo:

"contudo não se trata de algo caído do céu, mas de uma cristalização efetuada no embate com a fé dos outros povos, em que uma seleção belicosa e uma re-interpretação diferente representam, ao mesmo tempo, o elo e a mudança."

Ele atribui a cristalização da fé de Israel não a Revelação, mas ao choque com outras religiões e culturas vizinhas ao povo hebreu, afirma que de maneira belicosa, mas não deixa exatamente claro se esse choque conflituoso entre as religiões serviu para fortalecer a fé de Israel na sua rigidez, ou a absorção de elementos e a troca religiosa e cultural fez com que houvesse essa cristalização, se o segundo caso for a interpretação correta, então a frase torna-se ainda mais problemática e de certo gosto perenialista. Torna-se evidente que ao menos, a afirmação de Ratzinger sobre a não sobrenaturalidade da fé de Israel é no mínimo, escandalosa.

Partindo para outra afirmação, mais extensa que a anterior, mas do mesmo livro Introdução ao Cristianismo:

Se se conserva diante dos olhos este duplo nexo, quiçá já se tenha eliminado muito do que nos perturba na crença na Igreja. Apesar disto externemos o que hoje nos preocupa neste ponto. Se formos sinceros, seremos tentados a dizer que a Igreja não é nem santa, nem católica: o próprio Concílio Vaticano II venceu a relutância, falando não apenas da Igreja santa, mas também da Igreja pecadora; e se algo existe a lhe censurar, será, no máximo, o fato de ter-se conservado hesitante demais em suas declarações, tão forte é a impressão da pecaminosidade da Igreja na consciência de todos. Naturalmente pode haver aí alguma influência teológica luterana sobre o pecado e, com ela, a agir, uma hipótese gerada de influxo de decisões dogmáticas. Mas o que torna essa "dogmática" tão penetrante é sua concordância com a nossa experiência. Os séculos da história da Igreja estão tão repletos de humano fracasso, que podemos compreender a horrível visão de Dante, ao descrever a prostituta babilônica sentada na carruagem da Igreja, parecendo-nos também plausíveis as terríveis palavras do bispo de Paris, Guillaume d'Auvergne (século XIII) o qual acreditava que qualquer pessoa que visse o embrutecimento da Igreja, deveria ficar tomado de horror: "Não é mais esposa, mas um monstro de medonho aspecto e selvageria... ". Como a santidade, também a catolicidade da Igreja parece problemática. A túnica inconsútil do Senhor está dividida entre partidos litigantes, a Igreja única fracionada em muitas igrejas, das quais cada uma tem a pretensão, mais ou menos extremada, de ser a única a ter razão. Por isto a Igreja para muitos se tornou um real impedimento para a fé. Eles são capazes apenas de ver as aspirações humanas pelo poder, o espetáculo mesquinho daqueles membros seus que, afirmando serem os administradores do cristianismo oficial, parecem constituir o empecilho máximo ao verdadeiro espírito cristão. Não existe teoria capaz de rebater convincentemente tais objeções, como, naturalmente, elas, por sua vez, não nascem apenas da razão, mas de corações amargurados, desiludidos quiçá em sua grande expectativa, que, presa de um amor magoado e ferido, apenas sentem a destruição de sua esperança. Portanto, que resposta podemos dar-lhes? Em última análise, só podemos fazer uma profissão de fé, explicando por que, apesar de tudo, estamos em condições de amar esta Igreja, pela fé; por que ousamos, ainda e sempre, reconhecer, através do rosto desfigurado, a face da santa Igreja. - Introdução ao Cristianismo

Ratzinger começa esse trecho afirmando que:

"quiçá já se tenha eliminado muito do que nos perturba na crença na Igreja."

Aos que continuam a insistir no continuísmo, esta frase, apesar de certamente ambígua, é derradeira, Ratzinger afirma que se eliminou muito do que os perturbava na crença da Igreja, claramente no Concílio Vaticano II. Em primeiro lugar, quando diz "muito do que nos pertuba", à quem ele se refere? Ao clero de modo geral, aos fiéis? Ou será que ao grupo de religiosos heterodoxos e modernistas que possuíam uma série de desavenças com as crenças de sempre da Santa Igreja? A resposta me parece clara, mas responde-la fica a cargo do leitor. Em seguida ele diz:

Se formos sinceros, seremos tentados a dizer que a Igreja não é nem santa, nem católica: o próprio Concílio Vaticano II venceu a relutância, falando não apenas da Igreja santa, mas também da Igreja pecadora; e se algo existe a lhe censurar, será, no máximo, o fato de ter-se conservado hesitante demais em suas declarações, tão forte é a impressão da pecaminosidade da Igreja na consciência de todos.

Novamente, Ratzinger não cansa de escandalizar ao afirmar que se agindo de maneira SINCERA, seremos tentados a dizer que a Igreja não é nem santa, nem católica. O quão absurda é essa declaração? A Igreja é corpo místico de Nosso Senhor, como afirma São Paulo, ele é a cabeça e nós somos os membros, tendo essa definição em mente, é possível que a Igreja seja chamada de pecadora? Ou de não santa e não católica? O Credo é claro:

Credo in unum Deum, Patrem omnipoténtem, Factórem caeli et terrae, Visibílium ómnium et invisibílium. Et in unum Dóminum Iesum Christum, Fílium Dei Unigénitum, Et ex Patre natum ante ómnia saecula. Deum de Deo, lumen de lúmine, Deum verum de Deo vero, Génitum, non factum, consubstantiálem Patri: Per quem ómnia facta sunt. Qui propter nos hómines et propter nostram salútem Descéndit de caelis. Et incarnátus est de Spíritu Sancto Ex María Vírgine, et homo factus est. Crucifíxus étiam pro nobis sub Póntio Piláto; Passus, et sepúltus est, Et resurréxit tértia die, secúndum Scriptúras, Et ascéndit in caelum, sedet ad déxteram Patris. Et íterum ventúrus est cum glória, Iudicáre vivos et mórtuos, Cuius regni non erit finis. Et in Spíritum Sanctum, Dóminum et vivificántem: Qui ex Patre Filióque procédit. Qui cum Patre et Fílio simul adorátur et conglorificátur: Qui locútus est per prophétas. Et unam, sanctam, cathólicam et apostólicam Ecclésiam. Confíteor unum baptísma in remissiónem peccatorum. Et expecto resurrectionem mortuorum, Et vitam ventúri saeculi. Amen
Creio em um só Deus, Pai todo-poderoso,
Criador do céu e da terra,
de todas as coisas visíveis e invisíveis.
Creio em um só Senhor, Jesus Cristo,
Filho Unigênito de Deus,
nascido do Pai antes de todos os séculos:
Deus de Deus, luz da luz,
Deus verdadeiro de Deus verdadeiro,
gerado, não criado,
consubstancial ao Pai.
Por Ele todas as coisas foram feitas.
E, por nós, homens, e para a nossa salvação,
desceu dos céus:
e encarnou pelo Espírito Santo,
no seio da Virgem Maria,
e se fez homem.
Também por nós foi crucificado
sob Pôncio Pilatos;
padeceu e foi sepultado.
Ressuscitou ao terceiro dia,
conforme as escrituras;
E subiu aos céus,
onde está sentado à direita do Pai.
E de novo há de vir, em sua glória,
para julgar os vivos e os mortos;
e o seu reino não terá fim.
Creio no Espírito Santo,
Senhor que dá a vida,
e procede do Pai e do Filho;
e com o Pai e o Filho
é adorado e glorificado:
Ele que falou pelos profetas.
Creio na Igreja una, santa,
católica e apostólica.

Professo um só batismo
para remissão dos pecados.
Espero a ressurreição dos mortos;
E a vida do mundo que há de vir.
Amém.

Ainda grave, ele afirma que o Concílio venceu esta barreira e anunciou uma Igreja não somente santa, mas pecadora, e que a única crítica possível acerca das declarações do Concílio, é que foram conservadoras e brandas demais, tão forte é a impressão de pecaminosidade na Igreja. Ao passo que, todos nós percebemos uma crise flagrante na Igreja, seja ela fruto do Concílio ou não; afirmar que o mesmo foi demasiado CONSERVADOR e BRANDO nas suas definições, no mínimo quer dizer que o mesmo esperava um Concílio mais disruptivo, mais progressista e mais heterodoxo, na contramão da opinião da maior parte dos católicos frente a atual crise.

Os séculos da história da Igreja estão tão repletos de humano fracasso, que podemos compreender a horrível visão de Dante, ao descrever a prostituta babilônica sentada na carruagem da Igreja, parecendo-nos também plausíveis as terríveis palavras do bispo de Paris, Guillaume d'Auvergne (século XIII) o qual acreditava que qualquer pessoa que visse o embrutecimento da Igreja, deveria ficar tomado de horror: "Não é mais esposa, mas um monstro de medonho aspecto e selvageria... ". Como a santidade, também a catolicidade da Igreja parece problemática. A túnica inconsútil do Senhor está dividida entre partidos litigantes, a Igreja única fracionada em muitas igrejas, das quais cada uma tem a pretensão, mais ou menos extremada, de ser a única a ter razão. Por isto a Igreja para muitos se tornou um real impedimento para a fé. Eles são capazes apenas de ver as aspirações humanas pelo poder, o espetáculo mesquinho daqueles membros seus que, afirmando serem os administradores do cristianismo oficial, parecem constituir o empecilho máximo ao verdadeiro espírito cristão. Não existe teoria capaz de rebater convincentemente tais objeções, como, naturalmente, elas, por sua vez, não nascem apenas da razão, mas de corações amargurados, desiludidos quiçá em sua grande expectativa, que, presa de um amor magoado e ferido, apenas sentem a destruição de sua esperança. Portanto, que resposta podemos dar-lhes? Em última análise, só podemos fazer uma profissão de fé, explicando por que, apesar de tudo, estamos em condições de amar esta Igreja, pela fé; por que ousamos, ainda e sempre, reconhecer, através do rosto desfigurado, a face da santa Igreja.

Ratzinger então reafirma suas exposições anteriores, voltando a dizer que não só a santidade como a catolicidade da Igreja parecem problemáticas, isto tudo baseando-se nas falhas humanas dos membros que materialmente formam a Igreja, veja, isto é um absurdo completo, não podemos afirmar a falta de catolicidade e santidade DA Igreja, mas sim, dos seus pretensos membros materiais, que ao passo que não estão em estado de graça, não praticam a santidade e não demonstram a catolicidade, não fazem mais parte da Igreja enquanto corpo místico de Nosso Senhor e não estão na Comunhão dos Santos, estão separados, apesar de enquanto se afirmarem como cristãos, poderem gozar de alguns dos bens interiores e exteriores da Igreja, diz o Catecismo de São Pio X:

217) Quais são os bens comuns interiores na Igreja? Os bens comuns interiores na Igreja são: a graça que se recebe nos Sacramentos, a Fé, a Esperança, a Caridade, os méritos infinitos de Jesus Cristo, os méritos superabundantes da Santíssima Virgem e dos Santos, e o fruto de todas as boas obras que na mesma Igreja se realizem.
218) Quais são os bens exteriores comuns na Igreja? Os bens exteriores comuns na Igreja são: os sacramentos, o Santo Sacrifício da Missa, as orações públicas, as funções religiosas, e todas as outras práticas exteriores que unem entre si os fiéis.
219) Nesta comunhão de bens entram todos os filhos da Igreja? Na comunhão dos bens interiores inserem-se somente os cristãos que estão na graça de Deus; aqueles que estão em pecado mortal não participam desses bens.
220) Por que não participam de todos esses bens aqueles que estão em pecado mortal? Porque a graça de Deus é o que une os fiéis em Deus e uns aos outros; portanto, aqueles que estão em pecado mortal, não tendo a graça de Deus, estão excluídos da comunhão dos bens espirituais.
221) Então os cristãos que estão em pecado mortal não tiram nenhum proveito dos bens interiores e espirituais da Igreja? Os cristãos que estão em pecado mortal ainda assim tiram algum proveito dos bens interiores e espirituais da Igreja, uma vez que conservam o caráter de cristãos, que é indelével, e são auxiliados pelas orações e boas obras dos fiéis, para obterem a graça da conversão a Deus.

Portanto, torna-se evidentemente errôneo afirmar que pelos erros de seus membros, a Igreja se torna pecadora, não santa e não católica; estes membros sim, tornam-se não santos, não católicos e pecadores, mas a Igreja não. Parece claro que Ratzinger diz isto baseando-se na história daquela Igreja antiga que tanto quer se desvincular, que cometeu muitos erros, que dispôs muitos ensinos errôneos, e como Francisco mesmo afirmara recentemente, sacralizou leis carentes de humanidade e misericórdia, frutos de uma época e visão legalista e não cristã. Resta ao leitor entender o tamanho da gravidade destas afirmações, e, naturalmente, buscar a Tradição, em especial a FSSPX, e compreender qual é a única posição correta para atravessarmos esta crise contumaz.

Viva Cristo Rei e Salve Maria!

Oração de São Pio X pelo fim da Crise na Igreja

São Pio X
Ó Santo Pontífice, fiel servo do Senhor, fiel e humilde discípulo do divino Mestre. Na dor e na alegria, nos trabalhos e nas solicitudes, experimentado pastor do rebanho de Cristo, volvei o vosso olhar sobre nós.  Árduos são os tempos em que vivemos. Duras as fadigas que de nós exigem. A Esposa de Cristo, confiada aos vossos cuidados, está de novo em angústias terríveis. Os vossos filhos se vêem ameaçados por inúmeros perigos na alma e no corpo.  O espírito do mundo, qual leão enfurecido, rodeia-nos buscando a quem devorar. Não poucos caem nas suas garras. Têm olhos e não vêem. Têm ouvidos e não ouvem.  Fecham os olhos à luz da eterna verdade, preferindo dar ouvidos às vozes que insinuam mensagens enganadoras.  Vós que fostes na terra grande animador e guia do povo de Deus, sede auxílio e intercessor nosso e de todos os que se professam seguidores de Cristo.  Vós, cujo coração se rompeu quando o mundo se precipitou em sanguinolenta luta, socorrei a humanidade, a cristandade, exposta presentemente a semelhantes abalos.  Obtende-nos da misericórdia divina o dom da paz duradoura e, como aproximação, o retorno dos espíritos àquele sentido de fraternidade, que somente pode dar aos homens e as nações a justiça e a concórdia desejadas por Deus. Assim seja, Amém.

Bibliografia e referências

  • Encíclicas, decretos e documentos eclesiais utilizados

Dignitatis Humanae - Concílio Vaticano II

Libertas Praestantissimum - Leão XIII

Immortale Dei - Leão XIII

Quanta Cura - Pio IX

Syllabus - Pio IX

Inter Praecipuas - Gregório XVI

Discurso do papa Francisco à Delegação da Comissão Internacional Contra a Pena de Morte

Ad ExsuperiumEpiscopum Tolosanum - Inocêncio I

Licet ab Initio - Paulo III

Decreto Lamentabili sane exitu - São Pio X

  • Obras gerais utilizadas no artigo ou como apoio para a argumentação

Prometeu a Religião do Homem - Pe. Álvaro Calderón

A Candeia debaixo do Alqueire - Pe. Álvaro Calderón

Complô contra a Igreja - Maurice Pinay (Pseudônimo)

Liberalismo é Pecado - Pe. Félix Sardà y Salvany

Confissões - Santo Agostinho

A Cidade de Deus - Santo Agostinho

Catena Aurea - Santo Tomás de Aquino

Suma Teológica - Santo Tomás de Aquino

Código de Direito Canônico - Papado de Leão XIII

Catecismo de São Pio X - São Pio X

Catecismo do Concílio de Trento - São Pio V

Introdução ao Cristianismo - Joseph Ratzinger