Pequeno tratado de economia católica

Hoje a sociedade em si vive num dilema: socialismo ou liberalismo? Algo tão perpetuado que atravessa toda a esfera social, indo desde as mais simples anedotas até as brigas que podem chegar a rachar famílias inteiras, contudo, o católico e patrianovista que se preze deve ter um olhar atento e prudente para esse debate e ter a consciência que nenhuma dessas duas ideologias são católicas, ambas nasceram inimigas da Igreja e conduzirão o homem para o mesmo destino: o inferno. Vendo toda essa situação atual o cristão pode começar a raciocinar que a economia em si é algo mal, contudo, esse raciocínio também é errado, ela é algo posto por Deus para regular a sociedade e fazer que os homens cumpram seus deveres de Estado, portanto deve haver uma justa economia, correto? Sim, correto.
A incompatibilidade do socialismo com o Catolicismo

Resumidamente, o socialismo marxista em si se baseia na coletivização dos meios de produção, os passando para as mãos dos trabalhadores, esse sistema encontrou sua proximidade maior na URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) dentre outros Estados socialistas ao longo da história, onde muitos tentaram e ainda tentam adaptar a ideologia (como a República Popular da China). Contudo, essa ideologia encontra ampla condenação da Igreja em vários documentos, como a Encíclica Qui Pluribus do Papa Pio IX (englobaremos socialismo e comunismo em um só para fins de simplificação, e afinal, para chegar em um, é necessário passar pelo outro):
"Nesse ponto, a doutrina nefasta do comunismo, como eles dizem, é mais adversa à própria lei natural; uma vez admitido, os direitos de tudo, coisas, propriedade e até a própria sociedade humana seriam perturbados pelo fundo. A esse aspecto estão as armadilhas tenebrosas daqueles que, em mantos de cordeiros, mas com espírito de lobos, se insinuam com falsas aparências de piedade mais pura e de virtude e disciplina mais severas: surpreendem gentilmente, fecham ligeiramente, matam ocultamente; afastam os homens da observância de toda religião e destroem o rebanho do Senhor".
De maneira excepcional e iluminada pelo Espírito Santo, o grande Papa Pio IX usa como base de condenação do socialismo seu ferimento a lei natural, já que a ideologia traz uma rejeição a noção de propriedade privada, algo que vem da própria natureza, portanto, essa ideologia não é boa para o homem. Indo além, temos mais condenações, como a do de imortal memória, Papa Leão XIII na Encíclica Quod Apostolici muneris:
14. "Porque, ainda que os socialistas, abusando do próprio Evangelho, a fim de enganarem mais facilmente os espíritos incautos, tenham adoptado o costume de o torcerem em proveito da sua opinião, -entretanto a divergência entre as suas doutrinas depravadas e a puríssima doutrina de Cristo é tamanha que maior não podia ser. Pois que pode haver de comum entre a justiça e a iniquidade. Ou que união entre a luz e as trevas? (2 Cor 6,14). Os socialistas não cessam, como todos sabemos, de proclamar a igualdade de todos os homens segundo a natureza; afirmam, como consequência, que não se devem honras nem veneração à majestade dos soberanos, nem obediência às leis, a não serem estabelecidos por eles próprios e segundo o seu gosto.
15. Mas, ao contrário, segundo as doutrinas do Evangelho, a igualdade dos homens consiste em que todos, dotados da mesma natureza, são chamados à mesma e eminente dignidade de filhos de Deus, e que, tendo todos o mesmo fim, cada um será julgado pela mesma lei e receberá o castigo ou a recompensa que merecer. Entretanto a desigualdade de direitos e de poder provém do próprio Autor da natureza, de quem toda a paternidade tira o nome, no céu e na terra (Ef 3,15).
17. Por isso a Igreja inculca constantemente aos súbditos o preceito do Apóstolo: Não há poder que não venha de Deus e os que existem foram ordenados por Deus. Aquele, pois, que resiste ao poder resiste à ordem de Deus e os que resistem atraem sobre si a condenação. E de novo ordena que sejam submissos não só por temor, mas também por motivos de consciência, e que se dê a cada um o que for devido: a quem o imposto, o imposto; a quem o temor, o temor; a quem a honra, a honra (Rom 13,1-7). Aquele que criou e governa todas as coisas regulou com a sua sabedoria providencial que as íntimas coisas ajudadas pelas medianas, e estas pelas superiores, consigam todas o seu fim.
18. Por isso, assim como no céu quis os coros dos Anjos fossem distintos e subordinados uns aos outros, e na Igreja instituiu graus nas ordens e diversidade de ministérios de tal forma que nem todos fossem apóstolos, nem todos doutores, nem todos pastores (1 Cor 12,27); assim estabeleceu que haveria na sociedade civil várias ordens diferentes em dignidade, em direitos e em poder, a fim de que a sociedade fosse, como a Igreja, um só corpo, compreendendo um grande número de membros, uns mais nobres que os outros, mas todos reciprocamente necessários e preocupados com o bem comum".
Analisando bem aqui podemos ver como Leão XIII trouxe duma maneira diferente do seu predecessor uma condenação ao socialismo: enquanto Pio IX de maneira genial focou em como o socialismo é contrário à Igreja na ordem natural, Leão XIII trouxe isso de maneira sobrenatural, isso é, as teorias socialistas ferem o Cristianismo pois buscam destruir a hierarquia, algo posto pelo próprio Deus, que criou hierarquias não só nas sociedades e nos Estados como também em sua própria Igreja, bem dividida indo do laicato até o Papa, o Vigário de Cristo na Terra. Portanto, bem apresentados e fundamentados esses pontos postos acima, consideramos que ficou claro para o leitor a impossibilidade de qualquer associação do católico com as teorias socialistas/comunistas.
A incompatibilidade do liberalismo econômico com o Catolicismo

Também de maneira resumida, podemos definir o liberalismo econômico como uma corrente que defende a propriedade dos meios de produção majoritariamente em linhas individuais, com pouquíssima ou nenhuma intervenção do Estado. É possível rastrear a origem dessa ideologia no final do século XVIII, figurando como um dos seus maiores representantes Adam Smith, atualmente, encontra-se essa ideologia forte amparo na dita "Escola Austríaca de Economia", com autores como Ludwig von Mises, Eugen von Bohm-Bawerk, Friedrich Hayek dentre outros. Semelhante ao socialismo, o liberalismo econômico também sofre sanções e grande reprovação da doutrina da Igreja, pois essa ideologia leva ao socialismo, como bem-posto pelos papas, como exemplo, Pio XI na Divinis Redemptoris:
O liberalismo preparou o caminho ao comunismo
"16. Mas, para mais facilmente se compreender como é que puderam conseguir que tantos operários tenham abraçado, sem o menor exame, os seus sofismas, será conveniente recordar que os mesmos operários, em virtude dos princípios do liberalismo econômico, tinham sido lamentavelmente reduzidos ao abandono da religião e da moral cristã. Muitas vezes o trabalho por turnos impediu até que eles observassem os mais graves deveres religiosos dos dias festivos; não houve o cuidado de construir igrejas nas proximidades das fábricas, nem de facilitar a missão do sacerdote; antes pelo contrário, em vez de se lhes pôr embargo, cada dia mais e mais se foram favorecendo as manobras do chamado laicismo. Aí estão, agora, os frutos amargosíssimos dos erros que os Nossos Predecessores e Nós mesmo mais de uma vez temos preanunciado. E assim, por que nos havemos de admirar, ao vermos que tantos povos, largamente descristianizados, vão sendo já pavorosamente inundados e quase submergidos pela vaga comunista"?
Pio XI expõe de maneira perfeita até onde essa dita "liberdade econômica" levou os operários, os expondo ao limite muitas vezes ao os oprimir de tomar parte de festividades da Igreja devido à pesada carga horária posta livremente, matando de pouco a pouco toda e qualquer fé que os operários poderiam ter. Ainda mais, Pio IX expõe em outra Encíclica, a Quadragesimo Anno (em ocasião dos 40 anos da Rerum Novarum do Papa Leão XIII, que será mais abordada em breve), como o liberalismo conduz ao socialismo, fazendo as duas ideologias chegarem a perdição:
"Conheceis, veneráveis Irmãos e amados Filhos, e sabeis perfeitamente a admirável doutrina, que tornou a encíclica « Rerum novarum » digna de eterna memória. Nela o bom Pastor, condoído ao ver « a miserável e desgraçada condição, em que injustamente viviam » tão grande parte dos homens, tomou animoso a defesa dos operários, que « as condições do tempo tinham entregado e abandonado indefesos à crueldade de patrões desumanos e à cobiça de uma concorrência desenfreada. Não pediu auxílio nem ao liberalismo nem ao socialismo, pois que o primeiro se tinha mostrado de todo incapaz de resolver convenientemente a questão social, e o segundo propunha um remédio muito pior que o mal, que lançaria a sociedade em perigos mais funestos".
Indo mais afundo, observemos a opinião de Ludwig von Mises, autor liberal, sobre Nosso Senhor Jesus Cristo (Socialismo, de Ludwig von Mises, Capítulo 29):
3. Jesus despreza os ricos, incitando o mundo à violência contra eles e suas propriedades; e Seu ensinamento espalhou “semente maligna”:
"Naturalmente, uma coisa está clara e nenhuma interpretação habilidosa pode ocultar isso. As palavras de Jesus estão cheias de rancor contra os ricos, e os Apóstolos não são menos brandos a respeito disso. O Homem Rico é condenado porque ele é rico, o Mendigo é louvado porque ele é pobre. A única razão por que Jesus não declara guerra contra os ricos e não aconselha vingança contra eles é que Deus disse: “A vingança é minha”. No Reino de Deus os pobres serão ricos, mas os ricos estarão envoltos em sofrimento. Revisores tardios tentaram abrandar as palavras de Cristo contra os ricos, das quais a versão mais completa e vigorosa é encontrada no Evangelho de Lucas, mas resta um bocado suficiente para apoiar aqueles que encorajam o mundo a sentir ódio, a se vingar a assassinar e a queimar os ricos. Até a época do Socialismo moderno nenhum movimento contra a propriedade privada que se originou no mundo cristão falhou em buscar autoridade em Cristo, nos Apóstolos, e nos Padres Cristãos, para não mencionar aqueles que, como Tolstoi, fizeram do ressentimento evangélico contra os ricos o próprio coração e alma de seu ensinamento.Este é um caso no qual as palavras do Redentor espalharam semente maligna. Mais dano tem sido causado e mais sangue tem sido derramado por conta delas do que pela perseguição aos heréticos e queima das bruxas. Elas sempre tornaram a Igreja indefesa contra todos os movimentos que almejam destruir a sociedade humana"...
Ora, essas opiniões são falsas e poderiam vir apenas dum mentiroso embebido dum espírito demoníaco! Sem diferença nenhuma dos socialistas, Mises tenta trazer conflito entre as classes, mas dessa vez entre a Igreja e os ricos. Obviamente a pobreza é uma virtude para nós católicos, pois é prova de humildade e desprendimento dos bens materiais dessa terra, que nada valerão para a vida eterna, mas de maneira alguma os ricos estão já sentenciados ao inferno, se fosse dessa forma não teríamos tido São Luís IX, São Tomás More, Santa Lídia, dentre outros vários, obviamente com grandes riquezas vêm muitas responsabilidades, como o justo uso do dinheiro (com caridade, uso familiar, dentre outros), algo que os liberais não compreendem, preferindo a avareza ou gasto com coisas mundanas, que aí sim, podem levar à condenação. Portando, vendo o que foi exposto, está claro que um católico não pode defender o liberalismo econômico.
A Encíclica Rerum Novarum

As críticas acima descartam totalmente a possibilidade de aderir aos planos econômicos mencionados pois ambos podem e levam o homem para a perdição, seguindo esse raciocínio, chegaremos na conclusão que não só queremos como precisamos dum modelo católico de economia, algo que certamente a Santa Igreja tratou de cuidar quando o de ilustríssima memória Papa Leão XIII elaborou a Encíclia Rerum Novarum tratando da situação dos trabalhadores, vejamos alguns pontos de análise para iniciar a compreensão dum modelo econômico católico:
2. "Em todo o caso, estamos persuadidos, e todos concordam nisto, de que é necessário, com medidas prontas e eficazes, vir em auxílio dos homens das classes inferiores, atendendo a que eles estão, pela maior parte, numa situação de infortúnio e de miséria imerecida. O século passado destruiu, sem as substituir por coisa alguma, as corporações antigas, que eram para eles uma protecção; os princípios e o sentimento religioso desapareceram das leis e das instituições públicas, e assim, pouco a pouco, os trabalhadores, isolados e sem defesa, têm-se visto, com o decorrer do tempo, entregues à mercê de senhores desumanos e à cobiçaduma concorrência desenfreada. A usura voraz veio agravar ainda mais o mal. Condenada muitas vezes pelo julgamento da Igreja, não tem deixado de ser praticada sob outra forma por homens ávidos de ganância, e de insaciável ambição. A tudo isto deve acrescentar-se o monopólio do trabalho e dos papéis de crédito, que se tornaram o quinhão dum pequeno número de ricos e de opulentos, que impõem assim um jugo quase servil à imensa multidão dos proletários".
Em um dos primeiros pontos desse tão importante documento fica claro e evidente a necessidade de auxílio dos trabalhadores menos afortunados, rejeitando já de prontidão uma ideia individualista que vem do liberalismo, assim como também uma condenação expressa à usura, grande mal que reprime os menos afortunados que muitas vezes precisam recorrer aos sistemas de crédito. Resumidamente, em um curto trecho já é possível perceber uma condenação contra a usura e a necessidade de não desamparar trabalhadores menos afortunados. Prosseguimos em outros pontos importantes:
"O erro capital na questão presente é crer que as duas classes são inimigas natas uma da outra, como se a natureza tivesse armado os ricos e os pobres para se combaterem mutuamente num duelo obstinado. Isto é uma aberração tal, que é necessário colocar a verdade numa doutrina contrariamente oposta, porque, assim como no corpo humano os membros, apesar da sua diversidade, se adaptam maravilhosamente uns aos outros, de modo que formam um todo exactamente proporcionado e que se poderá chamar simétrico, assim também, na sociedade, as duas classes estão destinadas pela natureza a unirem-se harmoniosamente e a conservarem-se mutuamente em perfeito equilíbrio. Elas têm imperiosa necessidade uma da outra: não pode haver capital sem trabalho, nem trabalho sem capital".
Nesse trecho da Encíclica, Leão XIII expõe um princípio basiliar da economia católica: não luta, mas cooperação de classes. Ora, ambas as ideologias citadas no início desse artigo se baseiam num conflito entre classes, o liberalismo quer o patrão esmagando o operário, e o socialismo quer o operário esmagando o patrão. Uma economia católica de fato está acima desse conflito satânico, já que a mesma traz a noção bem colocada pelo Sumo Pontífice na última parte da citação mencionada, o trabalho precisa do capital e vice versa, portanto, as classes devem cooperar entre si para um sadio funcionamento econômico. Vamos adiante:
Obrigações dos operários e dos patrões
10. "Entre estes deveres, eis os que dizem respeito ao pobre e ao operário: deve fornecer integral e fielmente todo o trabalho a que se comprometeu por contrato livre e conforme à equidade; não deve lesar o seu patrão, nem nos seus bens, nem na sua pessoa; as suas reivindicações devem ser isentas de violências e nunca revestirem a forma de sedições; deve fugir dos homens perversos que, nos seus discursos artificiosos, lhe sugerem esperanças exageradas e lhe fazem grandes promessas, as quais só conduzem a estéreis pesares e à ruína das fortunas. Quanto aos ricos e aos patrões, não devem tratar o operário como escravo, mas respeitar nele a dignidade do homem, realçada ainda pela do Cristão. O trabalho do corpo, pelo testemunho comum da razão e da filosofia cristã, longe de ser um objecto de vergonha, honra o homem, porque lhe fornece um nobre meio de sustentar a sua vida. O que é vergonhoso e desumano é usar dos homens como de vis instrumentos de lucro, e não os estimar senão na proporção do vigor dos seus braços. O cristianismo, além disso, prescreve que se tenham em consideração os interesses espirituais do operário e o bem da sua alma. Aos patrões compete velar para que a isto seja dada plena satisfação, para que o operário não seja entregue à sedução e às solicitações corruptoras, que nada venha enfraquecer o espírito de família nem os hábitos de economia. Proíbe também aos patrões que imponham aos seus subordinados um trabalho superior às suas forças ou em desarmonia com a sua idade ou o seu sexo. Mas, entre os deveres principais do patrão, é necessário colocar, em primeiro lugar, o de dar a cada um o salário que convém. Certamente, para fixar a justa medida do salário, há numerosos pontos de vista a considerar. Duma maneira geral, recordem-se o rico e o patrão de que explorar a pobreza e a miséria e especular com a indigência, são coisas igualmente reprovadas pelas leis divinas e humanas; que cometeria um crime de clamar vingança ao céu quem defraudasse a qualquer no preço dos seus labores: «Eis que o salário, que tendes extorquido por fraude aos vossos operários, clama contra vós: e o seu clamor subiu até aos ouvidos do Deus dos Exércitos». Enfim, os ricos devem precaver-se religiosamente de todo o acto violento, toda a fraude, toda a manobra usurária que seja de natureza a atentar contra a economia do pobre, e isto mais ainda, porque este é menos apto para defender-se, e porque os seus haveres, por serem de mínima importância, revestem um carácter mais sagrado. A obediência a estas leis pergunta-mos Nós não bastaria, só de per si, para fazer cessar todo o antagonismo e suprimir-lhe as causas"?
Complementando o ponto anterior, Leão XIII expõe claramente as obrigações que os operários tem com seus patrões e o oposto também, colocando em prática como seria feita essa cooperação. Indo adiante:
Obrigações e limites da intervenção do Estado
20." Ora, importa à salvação comum e particular que a ordem e a paz reinem por toda a parte; que toda a economia da vida doméstica seja regulada segundo os mandamentos de Deus e os princípios da lei natural; que a religião seja honrada e observada; que se vejam florescer os costumes públicos e particulares; que a justiça seja religiosamente graduada, e que nunca uma classe possa oprimir impunemente a outra; que cresçam robustas gerações, capazes de ser o sustentáculo, e, se necessário for, o baluarte da Pátria. É por isso que os operários,
abandonando o trabalho ou suspendendo-o por greves, ameaçam a tranquilidade pública; que os laços naturais da família afrouxam entre os trabalhadores; que se calca aos pés a religião dos operários, não lhes facilitando o cumprimento dos seus deveres para com Deus; que a promiscuidade dos sexos e outras excitações ao vício constituem nas oficinas um perigo para a moralidade; que os patrões esmagam os trabalhadores sob o peso de exigências iníquas, ou desonram neles a pessoa humana por condições indignas e degradantes; que atentam contra a sua saúde por um trabalho excessivo e desproporcionado com a sua idade e sexo: em todos estes casos é absolutamente necessário aplicar em certos limites a força e autoridade das leis. Esses limites serão determinados pelo mesmo fim que reclama o socorro das leis, isto é, que eles não devem avançar nem empreender nada além do que for necessário para reprimir os abusos e afastar os perigos. Os direitos, em que eles se encontram, devem ser religiosamente respeitados e o Estado deve assegurá-los a todos os cidadãos, prevenindo ou vingando a sua violação. Todavia, na protecção dos direitos particulares, deve preocupar-se, de maneira especial, dos fracos e dos indigentes. A classe rica faz das suas riquezas uma espécie de baluarte e tem menos necessidade da tutela pública. A classe indigente, ao contrário, sem riquezas que a ponham a coberto das injustiças, conta principalmente com a protecção do Estado. Que o Estado se faça, pois, sob um particularíssimo título, a providência dos trabalhadores, que em geral pertencem à classe pobre".
De maneira majestosa, o Santo Padre expõe perfeitamente como deve ser feita a intervenção do Estado num estado de justa economia católica, protegendo os direitos e deveres de cada classe, garantindo a sua cooperação, impedindo injustiças da classe operária (como greves, violência e improbidade) e dos patrões (como exploração, imoralidades e supressão do Catolicismo). Também coloca perfeitamente a necessidade dum balanço para proteger os menos favorecidos, já que gozam de menos riquezas. Enfim, caminharemos para o último ponto (que é de extrema importância) a ser analisado nesse insignificante resumo:
Benefício das corporações
29. "Em último lugar, diremos que os próprios patrões e operários podem singularmente auxiliar a solução, por meio de todas as obras capazes de aliviar eficazmente a indigência e de operar uma aproximação entre as duas classes. Pertencem a este número as associações de socorros mútuos; as diversas instituições, devidas à iniciativa particular, que têm por fim socorrer os operários, bem como as suas viúvas e órfãos, em caso de morte, de acidentes ou de enfermidades; os patronatos que exercem uma protecção benéfica para com as crianças dos dois sexos, os adolescentes e os homens feitos. Mas o primeiro lugar pertence às corporações operárias, que abrangem quase todas as outras. Os nossos antepassados experimentaram por muito tempo a benéfica influência destas associações. Ao mesmo tempo que os artistas encontravam nelas inapreciáveis vantagens, as artes receberam delas novo brilho e nova vida, como o proclama grande quantidade de monumentos. Sendo hoje maiscultas as gerações, mais polidos os costumes, mais numerosas as exigências da vida quotidiana, é fora de dúvida que se não podia deixar de adaptar as associações a estas novas condições. Assim, com prazer vemos Nós irem-se formando por toda a parte sociedades deste gênero, quer compostas só de operários, quer mistas, reunindo ao mesmo tempo operários e patrões: é para desejar que aumentem a sua ação. Conquanto nos tenhamos ocupado delas mais duma vez, queremos expor aqui a sua oportunidade e o seu direito de existência e indicar como devem organizar-se é qual deve ser o seu programa de acção".
Em consoante com a cooperação de classes antes mencionada, o Pontífice apresenta aqui um modelo já antigo e bastante conhecido na Europa Católica: o de corporações de ofício. Organizações onde funcionários ou patrões (ou ambos, como mencionou), poderiam se organizar numa forma de cooperação social, esses órgãos serão melhor analisados no próximo ponto do artigo:
Corporações de oficio: a doutrina econômica católica na prática

Analisando toda a doutrina econômica passada anteriormente, conseguimos chegar a conclusão que existe sim um modelo econômico plenamente compatível com o Catolicismo, e podemos sintetiza-lo em alguns pontos importantes:
- Deve haver uma cooperação aberta entre classes por meio de certos órgãos.
- A Santa Religião não pode em hipótese alguma ser desprezada por qualquer que seja a classe.
- Nessa cooperação aberta mencionada anteriormente deve haver parâmetros morais totalmente estritos e inflexíveis válidos tanto para os patrões quanto para os empregados.
- A usura deve ser reprimida.
- Um justo preço e justo salário deve ser determinado em oposição as lógicas liberais de oferta e demanda e a socialista da mais-valia.
É mister ressaltar que tal modelo econômico não encontra amparo em nenhum país atualmente, sendo necessário por em evidência novamente que a dicotomia liberal e marxista continua em voga, não abrindo espaço para nenhuma espécie de terceira via. Contudo, isso não significa que nunca tivemos um sistema econômico com todos esses pontos em algum lugar em determinado momento da história, tivemos por séculos, e foi durante a Idade Média, na Europa Católica.
A queda do Império Romano gerou uma onda de violência e insegurança por todo Continente Europeu, fazia-se impossível viajar sozinho e chegar em paz em determinadas cidades, essas últimas estavam ficando desabitadas com o colossal êxodo urbano que atingia todo o continente, pessoas sentiam a necessidade de morar em lugares mais pacíficos, justamente o campo. Com isso, vieram os feudos, imensas propriedades onde o senhor feudal providenciava segurança dentro dos muros de seus castelos, o início desse novo modus vivendi no continente levou à necessidade dum novo sistema econômico, superando o modelo escravagista imperial romano.
É válido ressaltar que estamos falando duma Europa com séculos, se não com um milênio de distância ainda das revoluções industriais conhecidas hoje nas lições de história, portanto, tudo e qualquer objeto usado pelos europeus (sejam os camponeses ou os nobres) eram essencialmente artesanais, não havendo sequer a possibilidade duma linha de produção padronizada, o que levou exatamente ao que colocaremos em pauta a seguir.
A necessidade dessa nova corrente de pensamento econômica aliada à dois fatores importantes: a criação dum padrão de qualidade e a presença incontestável da Santa Igreja Católica levou ao início orgânico duma forma de pensamento não vista antes, o surgimento de organizações onde os trabalhadores de determinada cidade se associavam não só para criar uma padronização produtiva, como também para se auxiliarem mutuamente nas mazelas europeias e por fim, garantir uma transmissão de conhecimento prático dos ofícios, finalmente, para essas organizações damos o nome de corporações de ofício.
Geralmente as mesmas se dividiam em três classes:
- Mestres - Donos das oficinas e detentores dum vasto conhecimento do ofício, muito respeitados por toda a cidade em que viviam.
- Oficiais - São trabalhadores com uma experiência certificada na função que exercem, além de terem passado um bom tempo estudando na corporação (geralmente era bem variável, entre dois a sete anos, podemos pressumir aqui que essa variação era determinada pelo indivíduo na sua qualidade como estudante), prestaram provas para chegar até essa posição e eram remunerados pelo mestre.
- Aprendizes - Os jovens com o desejo de aprender como exercer os métodos de determinada profissão deveriam ingressar na corporação como aprendizes, de início trabalhando para os mestres sem receber nenhuma remuneração, contudo, recebiam alimentação, moradia e toda a educação necessária, claro, com o devido consentimento dos seus pais.
Esse modelo garantiu não só uma reconstrução da economia europeia antes destruída pelo fim do Império Romano como também uma incrível remodelagem na vida europeia, cidades inteiras eram construídas por corporações de ofício, artesãos recebiam a educação e os meios necessários para viver, a vida estava se tornando de fato "praticável". Esse crescimento foi tão vultoso que as vilas começaram a crescer em ritmos absurdos, surgindo os burgos, imensas cidades muradas fruto de comércio entre um feudo e outro. Vale novamente pautar que entre essas corporações sempre imperava os princípios católicos acima de tudo, a caridade deveria sempre ser considerada e os trabalhadores (sejam oficias ou aprendizes) nunca deveriam ser oprimidos de seus deveres religiosos, como assistir à Missa inteira nos domingos e dias de guarda, a conservação desses princípios católicos devem-se ao mestre também ser católico, transmitindo toda essa corretíssima tradição para toda corporação (ou seja, indiretamente esses órgãos também eram um forte meio de apostolado).
Agora, há possibilidade do leitor estar se perguntando: se esse sistema era tão bom e eficiente, garantindo uma prosperidade econômica na Europa, por que chegou ao fim? É válido pautar dois motivos principais:
- Moral: A reforma protestante quebrou o espírito de cooperação econômica existente antes entre as classes, formulando um novo: o espírito da supremacia do lucro e o preço de mercado, destruindo antes o preço justo mencionado anteriormente.
- Prático: A produção artesanal controlada por um padrão de qualidade começou a dar lugar à uma produção em série mecanizada, onde o trabalhador focava em apenas uma função (daí nasceram inúmeros problemas, resumidamente: do liberalismo veio o comunismo, como bem pontuado pela Santa Igreja anteriormente).
Ambos esses pontos são extremamente prejudiciais à uma economia católica de fato, devendo ser combatidos e substituídos pelo bom modelo das corporações de ofício.
Como pensar nas corporações de ofício atualmente?

Apesar de termos tido um modelo perfeito de como funcionava de fato uma economia católica, acabamos esbarrando num problema facilmente percebível: esse ideal ocorreu faz séculos, não há mais nada semelhante atualmente, nada palpável. Da economia que poderia ajudar o homem na sua salvação eterna, restaram apenas dois caminhos que levam para o mesmo lugar (o inferno) e servem o mesmo senhor (o demônio), conduzindo milhões de almas para a perdição do materialismo ou da miséria. Contudo, não há necessidade alguma de ficarmos num niilismo lamentando pelo fim do passado, autores bons e católicos se propuseram a analisar a possibilidade da adaptação das corporações de ofício num Estado moderno atual, inclusive, um brasileiro, Antônio Paim Vieira foi um dos proponentes com o seu livro "Organização Profissional e Representação de Classes" (deixarei um link para o livro no final do artigo, faço um agradecimento especial de antemão à Biblioteca Nacionalista por disponibiliza-lo), nesse livro o autor não só traça um panorama geral das corporações como também realiza diversos esquemas para a adaptação dos mesmos na realidade dos estados modernos, isto é, como se encaixariam e funcionariam essas organizações nos atuais estados, vejamos um esquema simplificado para depois analisarmos outro mais complexo:

Usando como exemplo o café, açúcar e carne, Antônio Paim detalha como funcionaria a representação desses sindicatos, resumiremos da seguinte forma:
- Primeiro os sindicatos municipais se formam e se unem, formando os Conselhos Econômicos Municipais.
- Os múltiplos Conselhos Municipais de determinada região também irão se unir formando os Conselhos Econômicos Regionais.
- Os Conselhos Econômicos Regionais são de extrema importância, principalmente em províncias grandes (como o Pará ou Amazonas por exemplo, no caso de produções muito diversificadas até o Paraná), esses se unirão e formarão os Conselhos Econômicos Provinciais.
- Por fim, os Conselhos Econômicos Provinciais se unirão em Conselhos Econômicos Nacionais, que obterão representação no Conselho de Estado e auxiliarão Sua Majestade Imperial, O Imperador, na coordenação econômica nacional.
Para tornar de maneira mais visível, imaginemos dois casos reais próximos da atual realidade brasileira: petroleiros e produtores de soja:
- Petroleiros:
- O Conselho Econômico Municipal dos Petroleiros de Macaé (RJ) se une com o Conselho Econômico Municipal dos Petroleiros de Campos dos Goytacazes (RJ), formando a Corporação Regional dos Petroleiros do Norte-Fluminense.
- A Corporação Regional dos Petroleiros do Norte-Fluminense se une com a Corporação Regional dos Petroleiros da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, formando a Corporação Provincial dos Petroleiros do Rio de Janeiro.
- A Corporação Provincial dos Petroleiros do Rio de Janeiro se une com a Corporação Provincial dos Petroleiros da Bahia, formando a Corporação Nacional dos Petroleiros.
- A Corporação Nacional dos Petroleiros terá acesso ao Conselho de Estado, onde ajudará o Imperador em suas decisões econômicas, e traçarão diretrizes nesse sentido (política de preços de petróleo, salários, organização, etc), junto com outras corporações.
- Produtores de soja:
- O Conselho Econômico Municipal dos Produtores de Soja de Sinop (MT) se une com o Conselho Econômico Municipal dos Produtores de Soja de União do Sul (MT), formando a Corporação Regional dos Produtores de Soja de Sinop.
- A Corporação Regional dos Produtores de Soja de Sinop se une com a Corporação Regional dos Produtores de Soja de Cuiabá, formando a Corporação Provincial dos Produtores de Soja do Mato Grosso.
- A Corporação Provincial dos Produtores de Soja se une com as Corporações Provinciais de Produtores de Soja do Mato Grosso do Sul e do Paraná (trouxe ambos para mostrar que podem e devem várias Corporações Provinciais se unirem), formando a Corporação Nacional dos Produtores de Soja.
- Essa Corporação Nacional também terá acesso ao Conselho de Estado e traçará suas diretrizes (preço da soja, salários, organização e etc) com outras.
A presença de várias Corporações Nacionais no Conselho de Estado é extremamente benéfico, pois todas poderão realizar seus projetos para maximizar suas capacidades produtivas juntas, por exemplo: A Corporação Nacional dos Ferroviários se une a Corporação Nacional dos Produtores de Soja para fazer um plano duma ferrovia conectando Cuiabá até Belém para um melhor escoamento da soja. Claro que no meio desses projetos poderão surgir conflitos (com a Corporação Nacional das Rodovias por exemplo), contudo, a figura do Imperador está presente justamente para essa mediação e para garantir a prosperidade econômica do país em sua máxima capacidade produtiva. Tendo em vista o modelo acima mais simplificado, acredito que agora podemos passar para um mais complexo apenas para fins de conclusão:

Esse esquema fica apenas para mostrar o quão dinâmica e imensa seria essa estrutura, pois de fato abarcaria todo tipo possível de profissões, permitindo uma imensa representatividade nacional onde nenhuma classe ficaria sem representação no Conselho de Estado, desde um modesto Conselho Econômico Municipal dos Pedreiros de Belford Roxo (RJ) até um ilustre Conselho Econômico Municipal de Juízes de Balneário Camboriú (SC), as possibilidades de representação são imensas e mostram um potencial econômico infinito, principalmente quando falamos num país extenso e abundante em recursos como o Brasil, inclusive, vale pautar que esse modelo construiu cidades inteiras numa Europa empobrecida pela miséria e instabilidade política, imaginem o que poderia fazer em um país como o nosso? Provavelmente elevá-lo ao nível duma potência global, onde o único objetivo do mesmo seria levar Cristo para todas as nações.
A Ética Católica nesse sistema adaptado

Analisando todo o sistema em sua historicidade e na sua adaptação proposta por Antônio Paim Vieira é possível concluir que é totalmente possível a aplicação duma ética católica vinda dos ensinamentos dos papas na economia, não só porque já vimos essa situação ao longo da história durante a Idade Média como também recebemos vários exemplos pela aprendizagem vinda dos documentos dos pontífices, que nos propuseram sabiamente maneiras católicas de como pensar a economia de fato.
Oração final

Para finalizar esse artigo, convido os leitores a rezar uma oração a São José, oração essa de autoria de outro santo, São Pio X:
"Glorioso São José, modelo de todos os que se dedicam ao trabalho, obtende-me a graça de trabalhar com espírito de penitência para expiação de meus numerosos pecados; De trabalhar com consciência, pondo o culto do dever acima de minhas inclinações; De trabalhar com recolhimento e alegria, olhando como uma honra empregar e desenvolver pelo trabalho os dons recebidos de Deus; De trabalhar com ordem, paz, moderação e paciência, sem nunca recuar perante o cansaço e as dificuldades; De trabalhar, sobretudo com pureza de intenção e com desapego de mim mesmo, tendo sempre diante dos olhos a morte e a conta que deverei dar do tempo perdido, dos talentos inutilizados, do bem omitido e da vã complacência nos sucessos, tão funesta à obra de Deus! Tudo por Jesus, tudo por Maria, tudo à vossa imitação, oh! Patriarca São José! Tal será a minha divisa na vida e na morte. Amém".
Leitura complementar e fontes

