Sedevacantismo: a doutrina protestante que quer ser católica

Desde o início da crise da Igreja causada pelo Concílio Vaticano II, várias tentivas de explicações para isso foram dadas, como a tese da Fraternidade Sacerdotal São Pio X que busca resistir ao modernismo atual, ou também há quem aderiu completamente a heresia modernista, como são os ditos continuístas, os mesmos afirmam que há uma "continuidade" na tradição apostólica, e que o Concílio Vaticano II teria seguido com essa última mencionada. Toda essa imensa crise gerou teses absurdas, como a do sedevacantismo, que prega a vacância da sé devido a heresia dos papas atuais (algo de fato inegável), contudo, essa ideologia, que não passa dum protestantismo travestido de catolicismo, veio apenas para confundir os próprios católicos, e até mesmo condenar várias almas devido um espírito infantil de negação da realidade e de total insubordinação.
O que é o sedevacantismo?

A infeliz doutrina do sedevacantismo nega a autoridade do papa afirmando que o mesmo é um impostor, e que não há nenhum papa legítimo atualmente, estando então Sé vacante (daí o termo que é usado para definir esse tipo de pensamento), contudo, ao afirmar isso, há vários problemas, dentre eles:
- Se temos um impostor na Cátedra Petrina, quem irá tirá-lo de lá? Não há nenhum dispositivo na doutrina tradicional da Igreja que permite a deposição dum papa por qualquer motivo que seja.
- Apesar de não haver um consenso entre os sedevacantes de quem foi o legítimo Papa, considerando a corrente majoritária que defende que o último foi Pio XII, não haveria nenhum cardeal legítimo capaz de continuar uma linhagem defendida pelos sedevacantes (o último purpurado por Pio XII foi Giuseppe Siri, falecido em 1989, a sucessão apostólica seria quebrada, Cristo teria mentido quando afirmou que estaria com a sua Igreja até o fim dos tempos, isso é absurdo!
- É uma doutrina moderna, não amparando base nenhuma na Tradição, sendo algo que deve ser rejeitado devido sua inconsistência (algo que será mais bem abordado nos próximos tópicos)
Suas origens modernas

O primeiro ponto que deve levar-nos a rejeitar qualquer tipo de filiação à doutrina sedevacante é o fato dela em si ser uma doutrina moderna, nascida no mais tardar em 1962, não havendo qualquer registro da mesma na doutrina tradicional da Igreja, muito pelo contrário, havendo mais teses discorrendo contra a rejeição ao papa e tentando explicar como prosseguir caso ocorra dum papa ser contra a Tradição Apostólica (algo que discorreremos ao longo desse artigo). Se aprofundando nos fundamentos sedevacantes modernos, é possível encontrar a Tese Cassiciacum, de autoria do teólogo Guérard des Lauries, que estabelece dois pontos para um papa legítimo:
1- Deve ser eleito legitimamente por eleitores legitimamente designados.
2 - O recém-eleito deve manifestar claramente sua intenção em receber o papado, ou seja, não manifestar de forma alguma pensamentos contrários à Tradição Apostólica.
Essa tese considera que possivelmente João XXIII e certamente Paulo VI até Francisco não cumpriram a 2° condição devido sua aderência às heresias. Ora, se considerarmos essa tese como verdadeira, esbarraremos num problema grave, a sé está vacante então até muito antes de João XXIII, estaria no mínimo desde Honório I! Já que o mesmo defendeu a heresia do monotelismo, a mesma afirmava que Cristo tinha duas naturezas, mas apenas uma operação (algo totalmente errôneo e contrário à doutrina católica, Cristo tem duas naturezas, a humana e divina e duas operações, também humana e divina), uma correspondência de Honório I para Sérgio, um outro herege monotelista:
"A vontade de Nosso Senhor Jesus Cristo era apenas uma (unam voluntatem fatemur), pelo fato de que nossa natureza humana foi assumida pela divindade”
Anos depois, Honório I foi repudiado junto com vários hereges monotelistas no III Concílio de Constatinopla, presidido pelo Papa Santo Agatão:
“Porquanto [o demônio] não permaneceu inativo, ele que desde o início foi o inventor da malícia, e que se servindo da serpente introduziu a morte venenosa na natureza humana, assim também agora encontrou os instrumentos adequados à sua vontade: aludimos a Teodoro, que foi bispo de Faran; a Sérgio, Pirro, Paulo, Pedro, que foram bispos dessa cidade imperial; e também a Honório, que foi Papa da antiga Roma; (…) [Satanás] encontrou, portanto, os instrumentos adequados, não cessou, através destes, de suscitar no corpo da Igreja os escândalos do erro; e com expressões jamais ouvidas, disseminou entre o povo fiel a heresia de uma única vontade e uma só operação em duas naturezas de uma [das Pessoas] da Santíssima Trindade, ou seja, de Cristo, nosso verdadeiro Deus, e isso em harmonia com a louca doutrina falsa dos ímpios Apolinário, Severo e Temístio”
Claramente Honório foi castigado de maneira póstuma por seus erros, e em momento algum afirmou-se durante o pontificado que não era papa, muito pelo contrário, com documentos como o acima mostrando claramente que Honório foi legitimamente papa, apesar de ter caído em heresia.
A incompatibilidade do sedevacantismo com a tradição católica

Primeiro, faz-se mister destacar que não há nenhuma compatibilidade possível entre o sedevacantismo e verdadeira Tradição Apostólica, obviamente tivemos períodos difíceis na história da Igreja que se tornava muito difícil saber quem era o verdadeiro papa de fato, como durante a idade média, onde diversos períodos tínhamos um antipapa ou até dois. Atualmente, temos a seita de Palmar de Troya por exemplo, que tem Pedro III como "papa", reclamando jurisdição sobre a Igreja Católica, contudo, obviamente nada comparável ao que tínhamos na idade média. O fato de sempre termos pelo menos um papa ou viver na expectativa clara (não obscura, como os sedevacantes vivem, já que já foi mostrado anteriormente que se formos na linha de raciocínio dos mesmos, a Sucessão Apostólica foi quebrada) de eleger um por meio dum Colégio de Cardeais legítimo, ademais, podemos ver nas próprias escrituras que Nosso Senhor quis deixar claro que nunca ficaríamos sem um Pastor, como demonstrado no Evangelho de São Mateus, capítulo 16, versículos 17-19:
"17.Jesus, então, lhe disse: “Feliz és, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que te revelou isto, mas meu Pai que está nos céus.
18.E eu te declaro: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela.
19.Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus”."
Ora, como poderia Nosso Senhor retirar o edificador da Igreja se deixou claro que as portas do inferno não prevaleceriam? Poderia Nosso Senhor ter mentido ou se equivocado nessa afirmação? Obviamente que não, períodos de Sé Vacante são totalmente comuns, os nossos papas não são eternos, porém, afirmar a possibilidade dum papa legitimamente eleito por cardeais que seguem a Sucessão Apostólica não ser papa, é algo absurdo que deve ser prontamente rejeitado por todo católico justamente por não encontrar amparo nenhum nem nas escrituras e muito menos na própria tradição da Igreja.
Tese de São Roberto Bellarmino

Sobre um papa herege, São Roberto Bellarmino defendeu a seguinte tese:
"Logo, a opinião verdadeira é a quinta, de acordo com a qual o Papa herege manifesto deixa por si mesmo de ser Papa e cabeça, do mesmo modo que deixa por si mesmo de ser cristão e membro do corpo da Igreja; e por isso pode ser julgado e punido pela Igreja. Esta é a sentença de todos os antigos Padres, que ensinam que os hereges manifestos perdem imediatamente toda jurisdição, e nomeadamente de São Cipriano (lib. 4, epist. 2), o qual assim se refere a Novaciano, que foi Papa (antipapa) no cisma havido durante o Pontificado de São Cornélio: “Não poderia conservar o Episcopado, e, se foi anteriormente feito Bispo, afastou-se do corpo dos que como ele eram Bispos e da unidade da Igreja”. Segundo afirma São Cipriano nessa passagem, ainda que Novaciano houvesse sido verdadeiro e legítimo Papa, teria, contudo, decaído automaticamente do Pontificado caso se separasse da Igreja.
Esta é a sentença de grandes doutores recentes, como João Driedo (lib. 4 de Script. Et dogmat. Eccles. cap. 2, par. 2, sent. 2), o qual ensina que só se separam da Igreja os que são expulsos, como os excomungados, e os que por si próprios dela se afastam e a ela se opõem, como os hereges e os cismáticos. E, na sua sétima afirmação, sustenta que naqueles que se afastaram da Igreja, não resta absolutamente nenhum poder espiritual sobre os que estão na Igreja. O mesmo diz Melchior Cano (lib. 4 de loc., cap. 2), ensinando que os hereges não são partes nem membros da Igreja, e que não se pode sequer conceber que alguém seja cabeça e Papa, sem ser membro e parte (cap. ult. ad argument. 12). E ensina no mesmo local, com palavras claras, que os hereges ocultos ainda são da Igreja, são partes e membros, e que, portanto, o Papa herege oculto ainda é Papa. Essa é também a sentença dos demais autores que citamos no livro 1 “De Eccles.”.
O fundamento desta sentença é que o herege manifesto não é de modo algum membro da Igreja, isto é, nem espiritualmente nem corporalmente, o que significa que não o é nem por união interna nem por união externa. Pois mesmo os maus católicos estão unidos e são membros, espiritualmente pela fé, corporalmente pela confissão da fé e pela participação nos sacramentos visíveis; os hereges ocultos estão unidos e são membros, embora apenas por união externa; pelo contrário, os catecúmenos bons pertencem à Igreja apenas por uma união interna, não pela externa; mas os hereges manifestos não pertencem de modo nenhum, como já provamos".
(São Roberto Bellarmino, “De Romano Pontífice”, lib. II, cap. 30, p. 420).
Esse grande santo deixa exposto em seus escritos a total possibilidade de se manter um pontificado mesmo com um papa herege, já que é totalmente dominante o entendimento na doutrina tradicional do mantimento da união de hereges ocultos com a Igreja, como uma união externa. Portanto, não há mais o que dizer diante dessa grande e importante tese.
Oração final

Depois desse breve artigo, convido o leitor a rezar para São Roberto Bellarmino, esse grande Doutor da Igreja que junto com vários outros nos permitiu ter um conhecimento hoje que nos permite rejeitar claramente qualquer tese sedevacantista:
"Ó Deus, que marcastes pela Vossa doutrina a vida de São Roberto Belarmino, concedei-nos, por sua intercessão, que sejamos fiéis à mesma doutrina, e a proclamemos em nossas ações. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso filho, na unidade do Espírito Santo. Amém.
São Roberto Belarmino, rogai por nós".
Leitura complementar

https://apologetica.net.br/2010/04/21/catecismo-sedevacantismo/
https://fratresinunum.com/2019/03/28/sobre-a-questao-de-um-papa-herege/
Ambas as fontes excelentes e usadas durante a escrita desse artigo.